segunda-feira, 10 de março de 2008

0176) A arte de olhar diferente (14.10.2003)




(Carl Friedrich Gauss, 1777-1855)


O professor tinha uma montanha de provas para corrigir e resolveu dar à turma de garotos de dez anos alguma coisa que os mantivesse ocupados. Passou o seguinte dever: “Somar todos os números de 1 a 100: 1 + 2 + 3 + 4 + 5...”

Todos começaram a fazer os cálculos, de testa franzida. Ele nem tinha terminado de corrigir a primeira prova quando um dos garotos aproximou-se e colocou sobre a mesa sua lousa com a resposta. (É, naquele tempo os estudantes escreviam em lousas, pequenos quadros-negros portáteis).

O professor olhou, o queixo caiu: 5.050. A resposta (que ele já conhecia) estava certa. Ele desconfiou de algum truque – mas qual? Pediu explicações.

O garoto explicou.

Eu achei que, como era para somar todos, a ordem não iria fazer muita diferença. Em vez de ir somando pela ordem, somei o primeiro com o último, ou seja, 1 + 100. Deu 101. Aí, somei o segundo com o penúltimo: 2 + 99 = 101. Depois somei o terceiro com o antepenúltimo: 3 + 98 = 101.

"Ora, o resultado tinha que ser sempre esse, porque os números somados, de um lado, era sempre um-a-mais, e do outro era sempre um-a-menos. E isso evidentemente ia continuar até chegar no meio da lista: 50 + 51 = 101. Isso queria dizer que eram 50 somas de dois em dois, todas dando 101. Ora, 50 vezes 101 é 5.050, tá ligado?”

O ano era 1787, o país era a Alemanha, e o menino se chamava Carl Friedrich Gauss, que veio a ser conhecido na Europa como “o Príncipe dos Matemáticos”. Morreu aos 78 anos, e quarenta anos após sua morte seus diários matemáticos ainda eram publicados, trazendo surpresas e mais surpresas, descobertas e mais descobertas.

O episódio acima foi narrado por Paul Karlson em A Magia dos Números, que li na adolescência. Eric Temple Bell, em Men of Mathematics, dá uma outra versão, inclusive dizendo que o problema era bem mais difícil do que esse. Mas não vem ao caso agora. O que foi, de fato, que o menino fêz?

O menino tinha um caminho aberto à sua frente: era só somar os números, do primeiro ao último. Ele, no entanto, preferiu procurar outra maneira. Talvez por achar (como nós, os preguiçosos do mundo, sempre achamos) que “deve ter uma maneira menos trabalhosa de fazer isso”. Tinha.

E o que o levou a somar o primeiro número com o último? Eu diria que foi um pouco de espírito lúdico, aquele espírito de “vamos entrar nesse beco só pra ver onde vai dar”. Mas indica outra coisa.

Enquanto os outros alunos, de nariz enfiado na lousa, só enxergavam o 1, depois o 2, depois o 3, e assim por diante, Gauss deu dez passos atrás e contemplou mentalmente uma longa linha de números, parecendo uma fita métrica esticada. E ele estendeu mentalmente os braços, pegou com a mão esquerda o 1 e com a mão direita o 100, e tentou somá-los.

O resto é consequência. Às vezes é bom afastar o nariz do problema, e vê-lo de corpo inteiro. Às vezes o próprio formato do problema já sugere a solução.






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