Um dos estudos que mais me fascinam é o da chamada Pulp Fiction, a literatura de revistas baratas que floresceu nos EUA entre as décadas de 1920-1950. Esnobada por uma parte da crítica e da historiografia literárias, essa literatura vem sendo reavaliada nas última décadas. Não que os críticos de hoje tenham descoberto nela as mesmas qualidades que se vêem na obra de Faulkner, Hemingway ou Henry James. Essas qualidades não estão lá. Mas há outras qualidades que podem ser vistas em retrospecto, qualidades que explicam o enorme sucesso popular que essas revistas tiveram, e o fascínio que ainda exercem.
O termo “pulp” vem do papel usado naquelas revistas: pepel feito da “polpa” da madeira, um papel barato, amarelado, facilmente degradável devido a sua alta acidez. As revistas que possuo, dos anos 1920-30, estão todas amareladas, cheias de manchas escuras, as bordas quebradiças, esfarelando-se. Talvez cheguem a completar um século antes de se desmancharem; em todo caso, durarão mais do que eu. Eram revistas com enormes quantidades de texto, em duas colunas, tipo miúdo. Publicavam contos, mas às vezes continham o equivalente a um pequeno romance. Tinham ilustrações em preto-e-branco no interior, mas suas capas, em cores vivas, pintadas a óleo, eram muitas vezes notáveis.
Nos EUA havia “pulp magazines” de todos os gêneros: policial, western, aventuras, terror, romance, aviação, boxe, guerra... No Brasil tivemos um mercado restrito para este tipo de publicação. Nos anos 30, por exemplo, a Editora Globo de Porto Alegre publicava “A Novela”, pulp magazines com cerca de 190 páginas, e que publicavam obras como “O chinês misterioso” de J. S. Fletcher, “O capitão Kaiman” de Karl May ou “O filho do forçado” de Alexandre Dumas. Os pulp magazines mais bem sucedidos entre nós foram os de contos policiais da Rio Gráfica Editora nos anos 1940-1960: “X-9”, “Suspense”, “Meia-Noite”, “Detetive”, por cuja editoria passaram nomes como Nelson Rodrigues e David Nasser.
As principais contribuições da Pulp Fiction para a literatura foram na ficção científica, no romance policial e na história de terror. Florescendo numa estufa ao abrigo das regras acadêmicas, a literatura que brotou ali beneficiou-se de um imenso feedback entre escriotores e leitores, e do fato de que esses escritores não aspiravam à glória literária, e sim à sobrevivência, o que os fazia produzir quantidades industriais de texto. Suas obras não valem como o produto refinado de mentes individuais ao longo de uma longa reelaboração: valem como o raio-X psicanalítico de uma civilização inteira, jogado em-bruto na página, numa verdadeira escrita automática que mistura partes iguais de realismo cru, simbolismo freudiano, pesadelo urbano, fantasias eróticas, delírio tecnológico. São a realização maciça, em centenas de revistas para dezenas de milhões de leitores, dos “contos do grotesco e do arabesco” imaginados por Edgar Allan Poe.
Só hoje, pouco mais de dez anos depois me deparo com esse texto. Penso se faz sentido dizer que livros como os da Série Vaga-Lume podem ser considerados crias do pulp do começo do século passado.
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