segunda-feira, 10 de março de 2008

0182) A pegadinha de Orson Welles (21.10.2003)




Em 30 de outubro de 1938, grande parte da população dos EUA acreditou piamente que seu país estava sendo invadido por marcianos hostis, decididos a exterminar a raça humana. 

Foi o famoso episódio da “Guerra dos Mundos” encenado por Orson Welles num programa de rádio em Nova York, o “Mercury Theatre”, que ia ao ar todo domingo à noite. Durante cerca de uma hora, os atores encenavam uma história, muitas vezes adaptações de obras literárias. Para o programa de Halloween dessa noite, Orson mandou ao ar uma adaptação de um livro de ficção científica de seu quase-xará H. G. Wells.

Os marcianos do livro de Wells saem passando o rodo no exército americano e invadindo cidades, até que começam a morrer de um em um, derrotados pelas bactérias terrestres, diante das quais são mais inofensivos do que um índio que nunca teve contato com brancos. 

A história hoje é clichê, mas era novidade quando o livro saiu: em 1898, época de descobertas científicas e astronômicas que colocaram na boca do povo a possibilidade de existência de vida em outros planetas. 

Quarenta anos depois, quando Orson Welles fêz seu rádio-teatro, invasores alienígenas já eram moeda corrente no imaginário popular. O mundo era um delírio militarista, a II Guerra estava na porta, e todo mundo acreditou. Houve pânico, corre-corre, multidões nas ruas, frenética atividade os bombeiros e da polícia por todo o país. 

Ninguém morreu, mas o país não falou noutra coisa durante algum tempo. Orson Welles, com 24 anos, virou o menino-prodígio de Hollywood e três anos depois faria o Cidadão Kane.

O truque foi apresentar a “Guerra dos Mundos” como se fosse um noticiário radiofônico. A abertura do programa avisava que era uma encenação, mas a partir daí tudo reproduzia um típico noticiário da emissora. Era como a gente ver hoje, na CNN, imagens de “Breaking News” de uma invasão alienígena, produzida em estúdio, mas mandada ao ar como se fosse real. Todo mundo acreditou. 

Esta é uma interessante quebra de tabu linguístico: fazer um texto de ficção e apresentá-lo como uma informação real.

O roteirista do programa de Welles era Howard Koch, que escrevia toda semana um roteiro de 60 páginas adaptando histórias indicadas por Orson. Koch também acabou em Hollywood, onde foi co-roteirista em Casablanca

Em seu livro The Panic Broadcast, ele diz que pouco tempo depois de Welles uma rádio peruana traduziu o roteiro para o espanhol e repetiu a “pegadinha” em Lima. Houve pânico, mas quando depois foi revelada a verdade, a população depredou e incendiou a rádio. 

As pessoas não apenas se irritam, quando percebem que foram feitas de bobas, mas sentem um abalozinho mental quando percebem que leram erradamente um conjunto de informações que à primeira vista era familiar. Quando percebem que foram induzidas propositalmente a essa leitura errada, que foram manipuladas, a reação é imprevisível.





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