Dias atrás eu estava num grupo de pessoas e alguém pôs um CD com gravações antigas de Luiz Gonzaga. Era uma coletânea da gravadora “Revivendo” de Leon Barg, em Curitiba, que pesquisa o acervo dos velhos discos em 78 rotações e os transpõe para CD. São gravações dos anos 1940, ou seja, com tecnologia de mais de 60 anos atrás. Alguém lamentou a má qualidade do som. Outro concordou dizendo que faltava “amplitude nos graves”. Outro lamentou que não fosse possível uma “distribuição melhor de canais”. Ficaram o tempo todo sentindo falta dos recursos técnicos de hoje, enquanto eu ficava me deliciando com a música de ontem. Onde é que esse pessoal anda com a cabeça?!
Eu dizia: “Rapaz, esquece o estéreo, escuta o baião”, mas não adiantava. Eles tentaram me explicar que para poder fruir adequadamente uma música é preciso ter uma riqueza de espectro sonoro que só é possível conseguir hoje, em gravações feitas com a tecnologia de hoje. O que foi gravado no passado, infelizmente, por melhor que tenha sido a intenção, será sempre uma coisa pálida, acanhada, atrofiadazinha. Ouvir um quarteto de Mozart num disco 78 rpm nunca poderá se comparar à riqueza sonora de ouvir Celine Dion numa gravação de verdade.
Ok, reconheço, estou fazendo uma caricatura da situação, mas isto não invalida meu raciocínio. Não quero dizer que estou mais certo do que os outros, mas que cada época forma diferentes tipos de sensibilidade. E hoje em dia o que está se formando, pelo que vejo, é uma geração inteira de ouvidos mimados. Mimados pela limpidez, potência, profundidade, amplitude, nitidez e volume das novas tecnologias de gravação; mimados a tal ponto que o fenômeno musical em si deixa de estar em primeiro lugar, recua para um plano secundário. O que importa é a qualidade do estímulo sensorial: a qualidade do produto estético é irrelevante.
Serei contra a tecnologia? Jamais. Muitos amigos meus, de perfil tradicional-nacionalista, vêem com horror minha paixão pela guitarra elétrica, pelo sintetizador, pelos loops & samples da música eletrônica. Passo a vida aqui nesta coluna elogiando a tecnologia digital, a Internet, todas as bijuterias da pós-modernidade. Mas me desculpem: todo esse conforto está deixando o ouvido de vocês parecido com aquela princesa do conto de fadas, que dormia em cima de oito colchões superpostos, e se botassem uma ervilha embaixo deles ela não pegava no sono de tanto desconforto. Os ouvidos da geração digital tornaram-se incapazes de abstrair um zumbido, de ignorar um chiado, de relevar um arranhão. Ouvem com os tímpanos, não com o cérebro. Ao escutar um concerto de piano, sua atenção não está voltada para o piano, e sim para a caixa de som. Saudade mesmo eu tenho é do grupo Premeditando o Breque, que tocava velhos chorinhos no palco enquanto um deles amassava uma bola de papel junto do microfone, para reproduzir o chiado dos velhos discos 78.