(Desenho de Tomi Ungerer)
Dizem ser uma palavra que só existe na língua portuguesa, e, de fato, as palavras próximas que encontramos em outras línguas sempre parecem estar com algo faltando.
Em inglês temos, só para dar um exemplo, “homesickness” que é saudade, mas uma saudade específica, a saudade de casa ou da terra natal, algo parecido com o “banzo” dos africanos trazidos nos navios negreiros.
O francês “souvenir” não é saudade, é recordação, e de substantivo abstrato degenerou em substantivo concreto: virou o nome das famosas “lembrancinhas” que compramos nas viagens para dar de presente aos amigos.
“Nostalgia”, palavra presente em várias línguas, tem um certo parentesco, mas não se aplica, por exemplo, ao que se sente por uma pessoa específica.
Dizem os lexicógrafos que “saudade” é sinônimo de “solidão”, através da forma intermediária “soledade” (há um bom verbete a respeito no “Dictionnaire International de Termes Littéraires”, em: http://www.ditl.info/index.php).
Afirma-se também que o termo “saúde” (=saúde da alma) também entrou na mistura, o que explicaria a pronúncia proparoxítona “sa-Ú-da-de”, em voga até séculos relativamente recentes.
Meu dicionário de português-francês (ainda é aquele bem baratinho, do velho Fename) assim define saudade: “Desejo ardente de um bem do qual se está privado; pesar devido a uma ausência, doce recordação”. Uma definição que aborda a palavra de diferentes ângulos, todos eles corretos, mas, mais uma vez, o que temos é uma descrição do sentimento, e não uma palavra equivalente.
Dei agora uma olhada no OneLook, o melhor dicionário de inglês da Internet (http://www.onelook.com/) que nos dá instantaneamente links para todos os principais dicionários da língua. Haveria “saudade”? Ele me jogou para uma página denominada “A Palavra Inútil do Dia”, com termos obscuros ou estrangeirismos. “Saudade” é definida como anseio ou desejo ardente (“yearning or longing”), “mas mais do que isto”.
O saite da “Britannica” fornece: “Anseio, com conotações de melancolia e de pensativa solidão, e uma atmosfera de uma reverência quase mística pela Natureza que permeia a poesia lírica do Brasil e de Portugal.” Novamente uma descrição, não um equivalente.
Parece que “saudade” é um pequeno triunfo de nosso idioma, uma holo-palavra onde conseguimos comprimir uma quantidade imensa de significado.
Tenho duas definições favoritas. Uma delas é da escritora americana de origem portuguesa Katherine Vaz, em seu romance “Saudade”:
"Saudade: um anseio tão intenso por pessoas ausentes, ou por lugares ou épocas que se foram, que essa ausência torna-se a presença mais profunda na vida de alguém -- mais do que um sentimento, uma maneira de ser."
E a outra é a famosa sextilha, atribuída a Pinto do Monteiro:
Esta palavra saudade
conheço deste criança.
Saudade de amor ausente
não é saudade, é lembrança;
saudade só é saudade
quando morre a esperança.
Pois pra mim saudade não é só lembrança do que passou. Saudade também é presença. No momento em que estou amando sinto uma saudade simultânea.
ResponderExcluirComo tudo que você faz e que chega aos meus ouvidos... muito bom o seu blog.
Águeda
Correu o mundo dos dicionários, os mais sofisticados, porém foi no verso simples de Pinto Monteiro que estava a melhor definição. Viva Pinto!
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