domingo, 27 de abril de 2008

0378) O instrumental do arrasta-pé (5.6.2004)



(ilustração: Samuca, Diário de Pernambuco)

Coube a Luiz Gonzaga formatar o que hoje conhecemos como o forró-de-raiz, cuja instrumentação básica é o trio (que é a cara de Gonzagão) sanfona, zabumba e triângulo. 

Complementos enriquecedores a este trio podem ser o reco-reco, o pandeiro e o agogô, que por sua vez são a cara de Jackson do Pandeiro. 

Note-se que em muitas das gravações originais de Gonzaga nos anos 40 e de Jackson nos anos 50 observamos, como consequência inevitável da influência dos arranjadores e instrumentistas em cujo meio eles viviam, a presença de instrumentos mais intuitivamente associados ao samba e ao choro: o violão (fazendo a famosa “baixaria”), o cavaquinho, a flauta e o clarinete. 

Não esqueçamos também que um dos baiões de maior sucesso em todos os tempos foi “Delicado”, de 1951, no cavaquinho de Valdir Azevedo.

Quem leva a sério a definição de um formato “oficial” para o forró de raiz deveria fazer um estudo detalhado da presença e da função de todos estes instrumentos (e outros que não citei) na discografia essencial não apenas de Gonzagão e de Jackson, mas também na de outros artistas que tiveram influência decisiva na invenção da Música Fonográfica Nordestina: Manezinho Araújo (cujas emboladas tiveram um papel importantíssimo na criação de uma nordestinidade musical), João do Vale, Marinês, Ary Lobo e outros.

Surge então uma pergunta: será que instrumental é um fator decisivo para definir um gênero de música? 

Muitas vezes, sim. Na criação de um gênero, os instrumentos usados são algo crucial. Depois que o rock-and-roll já existia e tinha perfil próprio, teve gente fazendo rock com violão acústico, com orquestra sinfônica, com o escambau. Mas o rock não seria o que é se tivesse sido criado sem guitarra, baixo e bateria. O mesmo ocorre com os variados gêneros nordestinos que se escondem sob o rótulo “forró”.

Depois que o forró foi formatado, o próprio Luiz Gonzaga usou guitarra e baixo, e com bons resultados, como por exemplo “O fole roncou”. Eram sonoridades novas superpondo-se a um formato já assimilado e a um contexto cultural já definido. Mas quem pegar as gravações originais de Gonzagão e de Jackson irá se surpreender com a variedade de instrumentos utilizados e principalmente com o minimalismo de efeitos. 

Hoje em dia as bandas mais parecem um pelotão de fuzilamento: a gente vê shows de forró com duas ou três sanfonas no palco, um teclado, um monte de vocalistas, guitarras e baixo, bateria, percussão completa, mais uma zabumba... É um quebra-quebra–guabiraba onde mal se consegue perceber a melodia, a sequência harmônica, a letra.

Peguem os discos antigos de Jackson do Pandeiro. Uma zabumba marcando, o pandeiro fornecendo os balanceios, um ganzá ou reco-reco fazendo aquele traço de continuidade que serve como um trilho de trem, um violão bordando os baixos nas cordas de cima, uma sanfona discreta emergindo para os solos... e o cantor. Ninguém hoje em dia faz tanto com tão pouco.






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