sábado, 12 de abril de 2008

0367) Baby forever (23.5.2004)



(João Hamilton Tardivo)


Perto de onde eu moro há uma pet-shop. Meu lado armorial se rebela contra essas expressões americanizadas, mas meu lado tropicalista reconhece que é muito mais simples dizer pet-shop do que “loja de animais de estimação”. É curtinho. Parece um acrônimo, uma sigla. Gosto de palavras curtas, monossilábicas, e nisso a língua inglesa é insuperável, com jatos sintéticos de som que encerram idéias complexas: flash, clip, round, quark, blurb... Palavras assim são sólidas, como um pequeno receptáculo onde a significação está bem compacta, bem socadinha. São o contrário de palavras como “disponibilização” ou “anticonstitucionalidade”, crivadas de afixos, frouxas como uma correntinha de clipes.

Mas, voltando à pet-shop: acho que a mesma ternura que sentimos pelas palavras pequenas nos é despertada pelas criaturas pequenas. Toda vez eu paro e fico olhando, nas vitrines, aqueles cachorrinhos rechonchudos, virando bunda-canastra uns por cima dos outros, trocando tapinhas, dando aquelas mordidinhas de mentira que eles dão, ou simplesmente rolando pelo chão, arreganhando as patinhas pro ar e olhando para a gente através do vidro, com aqueles olhos marrons e líquidos, como se dissessem: “Oi! Eu tô tão feliz! E o senhor?”

Eu estaria mais feliz, companheiro, se não soubesse que você, como todos os outros, vai crescer e transformar-se num sabujo desmedido e malcheiroso, com aquele rosnado de maus-bofes. Devia haver um remédio para evitar que cachorrinhos crescessem. Um genérico-de-DNA qualquer que bastasse a gente todo dia pingar umas gotas no leite para garantir que nossos filhotinhos continuariam filhotando pela vida afora, sem risco de virar um desses cérberos ameaçadores que me espreitam todo dia quando ando pela calçada, doidos que o dono se distraia um pentelhésimo de segundo para voarem na minha garganta e fazerem comigo o que Bush está fazendo com o Iraque.

Pensando bem, devia ter um troço desses para os filhos também. A gente botava na mamadeira, e algum tempo depois na Coca-Cola, e eles ficariam a vida inteira com três anos de idade, dando aquelas corridinhas desajeitadas no parque, aquele risinho de rosto inteiro, e dizendo aquelas frasezinhas trôpegas de quem está fazendo suas primeiras incursões pelos jardins da sintaxe e da semântica. Que beleza, hem? Não cresceriam nunca, nunca virariam esses adolescentes rebeldes e peludos, ou esses adultos que acham que são donos do próprio nariz mas ainda nos pedem o dinheiro do táxi. Gotas. Umas poucas gotinhas diárias, ou uma papeleta homeopática antes do café da manhã, e nossos filhos seriam filhotes eternos, para nossa vaidade de pais e nossa futura ternura de avós, que é o que seríamos deles na velhice. Ninguém devia crescer, principalmente as crianças. Eia, cientistas! Precisamos inventar algo para que nossos serezinhos de estimação não venham a se transformar em gente como nós. Não sei se vale a pena.

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