Conheceram-se num coquetel num espaço cultural. Ela não era bonita nem gostosa, mas tinha um jeito interessante; ele era meio gordo e tinha barba grisalha, mas ela o achou vagamente simpático. Estavam num grupo maior, que se dispersou e ficaram só os dois, prolongando o assunto anterior, sem saber que assunto novo puxar. Ela falou meio por acaso que já tinha ido à Indonésia. Ele se espantou: “É mesmo? Eu também. Passei 15 dias lá. Você gostou?” Ela deu um gole, comentou: “Olha, é quente demais, mas de noite fica ótimo. As pessoas são legais. Taxistas e garçons são muito atenciosos, mas você tem que controlar, se não eles tiram muita liberdade. São muito informais. Gostei da comida, tem uns pratos apimentados que são o máximo. A cidade era linda, principalmente a parte antiga... Os teatros, são muito kitsch, sabia? E os cybercafés são a melhor coisa que há... O que foi? Falei bobagem?” Ele estava de boca aberta. “Não acredito. Você acaba de resumir tintim por tintim um artigo que escrevi descrevendo Jacarta.” Ela riu, meio sem jeito: “Vai ver que eu li teu artigo e não lembrava.” Ele: “Não, eu nunca publiquei. Mas tenho ele impresso, lá em casa. Quer ir dar uma olhada?”
Daqui a trinta anos estarão repetindo para os filhos como se conheceram. Ao contrário do que martela a propaganda, beleza física e apelo sexual não exercem um papel decisivo no deflagrar desses encontros pessoais. Ajudam a botar a bola em jogo, sem dúvida, mas não fazem os gols decisivos. O gol decisivo, muitas vezes, é feito por um aspecto cada vez mais raro: duas pessoas perceberem que pensam sobre as coisas de maneira parecida. Parece até uma contradição dizer isso, porque o que mais se critica em nossa sociedade é a padronização dos gostos, a repetitividade das informações, a ausência de novidade... Mas é justamente este o problema. Cada um de nós sente que a única possibilidade de manter um diálogo é repetir clichês; começa a achar que o único refúgio possível é o lugar-comum, as manchetes do dia, a última moda da mídia. Quanto mais falamos o que realmente achamos das coisas, menos encontramos alguém capaz de acompanhar nossa conversa. Somos ilhas de isolamento unidas por pontes cujo pedágio é o papo-furado.
Não estou dizendo que a saída é ambos gostarem das mesmas coisas – ambos votarem no PT, torcerem pelo Palmeiras, preferirem comida chinesa à japonesa, serem fãs de Charles Aznavour ou dos Paralamas... Não me refiro à uniformidade de gostos, mas a mentes que funcionam de modo parecido. Mentes capazes de olhar para uma coisa e enxergarem essa coisa, intuitivamente, espontaneamente, de maneira parecida. Quando esse flash telepático brilha simultâneo em duas mentes, não passa despercebido. O mundo oscila entre a banalidade geral e a singularidade incomunicável. Quando duas pessoas olham para, sei lá, a Indonésia, e vêem a mesma coisa, isto não passa em branco.
Concordo plenamente! Conheci (me interessei) pelo meu esposo, porque dentre de tantas opções, ele escreveu que já tinha ido ao Quênia! Wow! Falei que ainda quero ir à Angola, ver de onde vieram uma parte dos meus ancesteais, minha filha se chamaria Luanda... tivemos uma filha que se chama Lú! :)
ResponderExcluirP.S.: A metáfora das ilhas isoladas foi Magnífica!