sábado, 12 de abril de 2008

0369) A importância da Indonésia (26.5.2004)




Conheceram-se num coquetel num espaço cultural. Ela não era bonita nem gostosa, mas tinha um jeito interessante; ele era meio gordo e tinha barba grisalha, mas ela o achou vagamente simpático. Estavam num grupo maior, que se dispersou e ficaram só os dois, prolongando o assunto anterior, sem saber que assunto novo puxar. Ela falou meio por acaso que já tinha ido à Indonésia. Ele se espantou: “É mesmo? Eu também. Passei 15 dias lá. Você gostou?” Ela deu um gole, comentou: “Olha, é quente demais, mas de noite fica ótimo. As pessoas são legais. Taxistas e garçons são muito atenciosos, mas você tem que controlar, se não eles tiram muita liberdade. São muito informais. Gostei da comida, tem uns pratos apimentados que são o máximo. A cidade era linda, principalmente a parte antiga... Os teatros, são muito kitsch, sabia? E os cybercafés são a melhor coisa que há... O que foi? Falei bobagem?” Ele estava de boca aberta. “Não acredito. Você acaba de resumir tintim por tintim um artigo que escrevi descrevendo Jacarta.” Ela riu, meio sem jeito: “Vai ver que eu li teu artigo e não lembrava.” Ele: “Não, eu nunca publiquei. Mas tenho ele impresso, lá em casa. Quer ir dar uma olhada?”

Daqui a trinta anos estarão repetindo para os filhos como se conheceram. Ao contrário do que martela a propaganda, beleza física e apelo sexual não exercem um papel decisivo no deflagrar desses encontros pessoais. Ajudam a botar a bola em jogo, sem dúvida, mas não fazem os gols decisivos. O gol decisivo, muitas vezes, é feito por um aspecto cada vez mais raro: duas pessoas perceberem que pensam sobre as coisas de maneira parecida. Parece até uma contradição dizer isso, porque o que mais se critica em nossa sociedade é a padronização dos gostos, a repetitividade das informações, a ausência de novidade... Mas é justamente este o problema. Cada um de nós sente que a única possibilidade de manter um diálogo é repetir clichês; começa a achar que o único refúgio possível é o lugar-comum, as manchetes do dia, a última moda da mídia. Quanto mais falamos o que realmente achamos das coisas, menos encontramos alguém capaz de acompanhar nossa conversa. Somos ilhas de isolamento unidas por pontes cujo pedágio é o papo-furado.

Não estou dizendo que a saída é ambos gostarem das mesmas coisas – ambos votarem no PT, torcerem pelo Palmeiras, preferirem comida chinesa à japonesa, serem fãs de Charles Aznavour ou dos Paralamas... Não me refiro à uniformidade de gostos, mas a mentes que funcionam de modo parecido. Mentes capazes de olhar para uma coisa e enxergarem essa coisa, intuitivamente, espontaneamente, de maneira parecida. Quando esse flash telepático brilha simultâneo em duas mentes, não passa despercebido. O mundo oscila entre a banalidade geral e a singularidade incomunicável. Quando duas pessoas olham para, sei lá, a Indonésia, e vêem a mesma coisa, isto não passa em branco.

Um comentário:

  1. Concordo plenamente! Conheci (me interessei) pelo meu esposo, porque dentre de tantas opções, ele escreveu que já tinha ido ao Quênia! Wow! Falei que ainda quero ir à Angola, ver de onde vieram uma parte dos meus ancesteais, minha filha se chamaria Luanda... tivemos uma filha que se chama Lú! :)
    P.S.: A metáfora das ilhas isoladas foi Magnífica!

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