Dioclécio (nome de fantasia para efeito do presente texto) me confidenciou isto durante um litro de Ballantine’s e um pato-ao-maracujá, no terraço do “Silverado”, uma palhoça à beira-mar onde um publicitário bem sucedido pode beber a sós com um escritor desempregado. O comercial deles concorria a um prêmio, na Europa. A agência bancou a ida dele e da esposa ao festival. Dois dias antes, a caçula dele teve uma pneumonia. A esposa, heroicamente, ofereceu-se para ficar, e ele iria buscar o prêmio dele. Lá vai Dioclécio, sozinho, fora do Brasil pela primeira vez, para Amsterdam.
“Bebi menos e extrapolei menos do que planejei no voo de
ida,” explicou ele. Para a maioria dos homens casados, a mera sensação de não
estar sendo vigiado produz uma resposta eufórica de tal magnitude que se basta
a si mesma. As esposas deveriam relaxar
e ver a novela. O máximo que 53,7% deles ousarão é ficar bêbados a sós num
quarto de hotel.
Na primeira brecha lá vai Dioclécio para o Red Light
District. “Fui ver as atrações típicas,” defendeu-se ele, “vi até o Museu Van
Gogh!...” Era uma madrugada de inverno
dezembral, mortífero, matador. “Foi engraçado,” disse ele, “vi que ela era
brasileira porque dançava legal, e tinha uma camisa da Seleção Brasileira na
vitrine. Achei que lá dentro podia evitar o frio, que era de deixar o rosto da
gente dormente, paralisado, meu Deus, que coisa.”
Um minuto depois Dioclécio estava dentro da cabine e tentava
explicar à mulher que na verdade não pretendia manter relações com ela, ooops,
mas sendo assim, ok, calma, tudo bem, claro, na boa, mas agora, agora que
podemos respirar, será que ela sabe o quanto está sendo explorada? E ela lhe
diz: “Conterrâneo, bem se vê que você nunca teve que dar pra não passar fome.
Isso aqui é bom demais. Garantia estatal, fiscalização sanitária, pagamento
garantido, e, vou te contar, aqui aparecem mais nerds deslumbrados do que
serial-killers com problemas. Nunca trabalhei tanto, daqui a pouco vou ter que
botar meia-sola, porque a demanda é impressionante. Volte pro Brasil e dê
lembrança à ordem e ao progresso.”
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