Ontem estive me lembrando de Dona Zefinha de Seu Deca. Isso
foi num desses lugares pras bandas de Tabira ou de Água Branca. Seu Deca vivia
duma aposentadoria, de um gadozinho guardado nas terras dum genro, e de farra.
Todo dia vinha almoçar em casa e depois ia freqüentar a rapariga, Fátima, uma
moça que tinha uma perna maior do que a outra. Levantava da cama às 4 da tarde,
hora do carteado na pracinha, onde se reunia com os amigos para deliberar onde
iriam beber naquela noite. Dona Zefinha lavava os pratos e chorava,
amaldiçoando Seu Deca e todos os homens do mundo, mas morria de medo dele, e
com razão, porque Seu Deca apesar de generoso com o próprio dinheiro e
escrupulosamente correto em todo procedimento, como ele mesmo dizia, era um
sujeito com sangue no olho e de instinto ruim.
Todo dia era essa a história, o almoço de Dona Zefinha, a
sesta com Fátima, e Dona Zefinha carregando essa cruz à vista da rua inteira. Ela
confidenciou a Ceiça de Antão Procópio que ainda era nova (estava longe dos
quarenta) e que o marido era um homem bom, mas que por ser muito bom tinha se
deixado enfeitiçar por quem não prestava. Ela guardava umas economias e comprou
roupas novas. Passou a fazer ela mesma o almoço. (Que até então eram obra de Tonela,
a mucama que trabalhava com eles desde que era uma adolescente.)
Talvez nunca se saiba o que Seu Deca notou primeiro, se era
a mulher que estava mais bonita ou a comida que estava mais farta. Mesmo no
entra e sai da sala para a cozinha Dona Zefinha estava sempre com um vestidinho
caprichado. E cada dia espalhava sobre a mesa a bandeja farta com dobradinha,
mão-de-vaca, tripa torrada, galinha de capoeira, costela, chambaril, pirão. Era
ele comendo e ela atochando comida no prato dele. Ela comia limpando a barba,
arrotando, controlando o relógio.
Um dia, por fim, Dona Zefinha estava lavando os pratos
quando ouviu um alarido na frente de casa, eram uns meninos à janela da sala,
falando todos ao mesmo tempo, um deles dizendo “Seu Deca morreu!”, e outro corrigindo,
“Morreu, não, está morrendo!” Daí a pouco o trouxeram, duro, morto,
desengonçado. Ela cuidou de tudo, participou do enterro, recebeu calada o que
os enteados lhe deram na partilha e foi embora para a casa de uma prima que
tinha no Cariri. Chorou com sinceridade, porque nos últimos tempos voltara a
gostar dele. Mas também foi a última vez na vida em que ela chorou.