terça-feira, 27 de agosto de 2013

3275) A Cena do Diretor (27.8.2013)


(Polanski em Chinatown)

Nos filmes de Alfred Hitchcock tem sempre a cena em que ele aparece ao fundo, entre os figurantes. Quando menos se espera, ou quando já se está cansado de esperar, lá está Hitchcock, sentado num ônibus ao lado do herói (O Homem que Sabia Demais, 1956) ou vendo a porta de um ônibus se fechar na sua cara (Intriga Internacional, 1959). 

O escritor Tim Powers desdenhava esse macete. Achava um exibicionismo meio infantil, que atrapalhava a credibilidade emocional do filme: “Você está assistindo uma cena que se supõe séria e tensa, e aí, de repente começa a apontar: '- Lá está Alfred!'  Estraga tudo.”

A Aparição do Diretor virou cacoete, já utilizado de toda maneira por todo o mundo. Mas o que eu acho mais interessante são aquelas aparições meta-hitchcockianas, que vão além do que o que o gordinho fez. 

São cenas com sua própria dramaturgia, seu próprio impacto, e o diretor não está ali apenas dando adeusinhos para o eleitorado. Está carregando em si um papel, numa cena forte, e com a obrigação de defendê-lo bem diante de sua própria equipe técnica. 

Caso emblemático de “Cena do Diretor”: Roman Polanski em Chinatown (1974), no papel do gangster janota que pega um canivete e abre a narina de Jack Nicholson.

Não me refiro àqueles filmes em que o diretor é de certa forma o protagonista, como F for Fake (1974) de Orson Welles ou A Noite Americana (1973) de François Truffaut.  Em casos assim o filme já é concebido em torno da imagem do diretor-ator, o filme todo é a presença dele.  

A Cena do Diretor é quando ele dirige a si mesmo e aparece nesse momento específico, e praticamente não mais; uma cena curta, mas de peso. Marca presença, tanto quanto Hitchcock; mas seu aparecimento não é um “gimmick” meramente publicitário, como o do mestre, é um produto estético. Afinal, é uma cena de filme! Uma coisa tão obra-de-arte quanto uma sextilha.

John Huston é uma das poucas coisas boas que houve em seu A Bíblia (1966), aquele Noé grandalhão, apocalíptico, desbocado. 

Luís Buñuel só apareceu na tela na primeira e demolidora cena de Um cão andaluz (1928), como o homem que empunha e navalha e nos ensina a “ver com outro olho que o habitual”, como disse Jean Vigo. 

Martin Scorsese faz um passageiro patético e surtado numa das melhores cenas de Taxi Driver (1976). 

Quentin Tarantino é literalmente mandado pelos ares na cena em que aparece em Django Livre (2012), realizando com ironia sádica tanto uma fantasia dos seus fãs quanto a dos seus desafetos. 

A Cena do Diretor é uma figura de linguagem do cinema que pode até ter sido incrementada pela brincadeira de Hitchcock, mas virou algo muito mais interessante.





4 comentários:

  1. se não fosse bom, os outros não copiavam.o autor tem que aparecer mesmo.

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  2. Braulio,não sei se você está lendo meus comentários,mas eu quero fazer uma reparação.quando eu disse que você era "o gênio da raça",eu queria compara-lo a um Gilberto Freyre.porém quando eu reli o poema de Ascenso Ferreira,poeta da minha cidade...eu vi que cometi um equívoco.ascenso se referia a uma mulata.não tem nada não.eu sou neguinha,você é neguinha,o Caetano é...

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  3. Faltou Desprezo de Godard com Fritz Lang.

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