Nossa
fantasia de ascensão social, cem anos atrás, no que foi chamado a “Belle
Époque” carioca, era em torno de uma fantasia vagamente aristocrática, imitação
de uma aristocracia vista e interpretada à distância, por sinais exteriores que
tanto podiam sugerir refinamento quanto frivolidade, tanto nobreza de
princípios quanto brutalidade de processos. Nos anos 1880, uma certa classe média
urbana tinha Paris como norte magnético, e como ideologia um Iluminismo
pragmático, e tentava transpor para a convivência republicana os investimentos
acumulados na monarquia. Trocava-se o veículo na esperança de se conseguir
manter o trajeto; o discurso, como se dá em tantas revoluções ou golpes de
Estado, ganhava um tom de triunfalismo, que serviu naquele momento para
fomentar a ilusão de que grandes mudanças estavam ocorrendo no país.
A
abertura de portas promovida pela República, a mudança parcial nas regras do
jogo e a presença de novos jogadores na mesa (principalmente os militares) ajudou
a cultivar a sensação de que o país mudara, embora a mudança mais perceptível
só ocorresse com o populismo da ditadura Vargas, que se manteve no poder
pagando uma parte da dívida social que a primeira República assumira e vinha
administrando em banho-maria.
A
segunda metade do século 20, partido ao meio pela II Guerra, trouxe uma mudança
no andar de cima, com a hegemonia cultural norte-americana sucedendo à
européia. O Norte magnético deixou de ser Paris ou Lisboa, transferiu-se para
Nova York ou Hollywood, e desta vez a invasão tecnológica (cinema, rádio, TV)
passou o rodo nas ruínas da mentalidade aristocrática. Sem extingui-la de todo,
o que talvez seja impossível: subsiste em bolsões urbanos afluentes e no
avesso-da-costura representado por um certo tipo de feudalismo rural à moda
antiga, que por sua vez está sendo empurrado para os recantos do mapa por um
ruralismo predatório, impessoal, expansão da mentalidade urbano-industrial,
impiedosa, voraz, mas que pelo menos se justifica, diante do delírio financeiro
transnacional, com o álibi da produção de alimentos e da geração de empregos.
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