quinta-feira, 8 de agosto de 2013

3259) Fantasma no Cassino (8.8.2013)




O smoking alugado é do número certo, mas até os números são sujeitos a erro, pensa ele, e em seguida percebe que tem pensado muito essa frase ultimamente. Também pudera. O mercado de ações está nervoso. As estatísticas da guerra assustam. Os resultados da roleta e do bacará são os mais inesperados possíveis. Um garçon sorri e se curva com a bandeja, ele recolhe a bebida sem olhar o que é, e, sem se perguntar por quê, esvazia a taça de uma vez só. Vira à direita e vê-se de novo naquele espaço central de uma das alas do Hotel, onde há uma enorme gaiola cheia de araras vivas e multicores. Ele se esgueira por entre a multidão que ali circula, bebendo, flertando, dando gargalhadas escandalosas, e transpõe o limiar da grande sala circular dos jogos.

Engraçados, os números. Suponhamos alguém com memória eidética, exata, perfeita até o derradeiro dígito, como se diz de alguns gênios, alguns autistas ou alguns “idiots savants”. E que passasse uma noite assim, febril, em brasa, cabeça-a-mil elevada ao cubo, insone, acordado a poder de fornalha mental, álcool e qualquer outro aditivo que lhe estendessem. E com isso descobrisse a fórmula de acesso aos mundo transmaterial. Que é uma senha, um password numérico como os cofres dos Bancos empregam. O mundo transmaterial tem uma senha numérica, um string de alguns milhões de dígitos que estavam ali, à espera do primeiro ser humano que conseguisse percebê-los, decorá-los, recitá-los quantas vezes lhes fosse pedido. E foi ele. Leu o número em repetidas noites no cassino.

O Homem sempre procurou o famoso “nome de Deus”, mas entre as letras, não entre os números. Ele teve vislumbres de noites que passou no Hotel Cassino. A sereia mergulhando na piscina aquecida à meia noite. O ratatá do helicóptero que numa madrugada quente desembarcou o homem de terno branco, charuto e sorriso aberto. A discussão nos degraus da torre, que ele, subindo a escada, entreouviu entre um casal num patamar mais acima; e escutou, quase sem querer, uma revelação terrível. A visita à cozinha gigantesca, a visão do Inferno dos leitões e dos bovinos. 

Agora ele cruza o salão de baile. Sabe que se se detiver diante de cada candelabro, cada pintura, cada corredor de pé direito imenso, ou se tomar o estreito elevador de porta pantográfica, mais cedo ou mais tarde virá parar aqui. Ajeita o smoking. O número era para ser outro. Mas ele descobriu O Número. Deixou o Real em curto circuito. Tornou-se eterno no Tempo, mesmo à custa de virar um loop de si mesmo. Um garçon sorri e se curva com a bandeja, ele recolhe a bebida sem olhar o que é, e, sem se perguntar por quê, esvazia a taça de uma vez só.


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