quinta-feira, 16 de julho de 2020

4600) "Dark", temporada 2 (16.7.2020)




Eu não gosto de discutir filmes dando spoiler, e ainda mais quando se trata de uma série com quase 30 episódios, que nem todo mundo tem tempo ou disposição para assistir em um ou dois dias.

“Dark” é uma série alemã no Netflix, com uma história de viagem no tempo. Lembra, por esta premissa, a série espanhola “El Ministerio del Tiempo”, também Netflix. As semelhanças param por aí. A espanhola é um seriado leve, de aventuras, com momentos de comédia e de vez em quando uma piscadela de romance. “Dark” não tem humor. Não tem nenhum momento que provoque uma gargalhada. Aqui e acolá a gente dá uma risada, mas é aquele humor meio sádico de quando a gente diz: “Eita, o cara achou que ia resolver o problema, e agora é que se fudeu de vez.”

Expectativas frustradas produzem esse tipo de riso, um humor sem alegria. “Dark” (já comentei aqui, dias atrás) é uma série sombria mesmo, sem alegria, sem sorrisos, embora tenha inúmeras cenas de forte emoção humana, várias que me deixaram com nó na garganta.


(Mikkel)

Justamente por isso: não é uma série desenhada para nos aquecer o coração. É o longo relato do desmoronamento vagaroso de um mundo, e de como as poucas pessoas que entendem o que de fato acontece não podem fazer nada para impedi-lo – e quando tentam, só fazem piorar as coisas.

Por outro lado, tanto “Dark” quanto “El Ministerio del Tiempo” usam um artifício de dramaturgia muito cômodo, típico de certo estilo de ficção científica. É a possibilidade de fazer a viagem e chegar exatamente no ano (às vezes no dia e mês) que se deseja. Coisa boa, né? Se um dia eu escrever uma história de viagem no Tempo vai ser assim; “Tu viaja, mas tu não sabe onde vai pousar. Quer ir?...”  Acho mais cientificamente rigoroso, mas quem sou eu.

Uma coisa que se deve elogiar nesta série alemã é o trabalho de “casting” da escolha do ator para cada papel. Mostrar um personagem em diferentes fases da vida (5 anos... 12 anos... 25 anos... 60 anos...) é sempre um desafio, porque tem que haver uma semelhança física, uma continuidade, para que a gente aceite a ilusão.



(Claudia Tiedemann)

Quando temos no cinema uma história de paradoxo temporal, vamos ter muitas vezes (como em “Dark”) um personagem aos 35 anos falando consigo mesmo aos 18, ou aos 70. Mais difícil ainda. E os atores e atrizes, na maioria, são muito bons.

A escolha do elenco da série é incrível, a ponto de muitas vezes quando um personagem novo surge inesperadamente, eu, que sou o pior fisionomista da história do cinema, penso logo: “É Fulano, agora mais velho”. Acertei em 90% dos casos desta série.


O roteiro é de uma enorme complexidade, manipulando uns 15 ou 20 personagens, ao longo de pelo menos 4 faixas temporais com cerca de 30 anos de diferença entre si. Olha só o problema de reconstituição de época, com roupas, cabelos, carros, decoração, mobília... Os experts devem ter notado vários furos – ainda não consultei a seção “Goofs” do Internet Movie Data Base, mas não importa. Para um olho genérico (o meu), erro zero.

Só o 2052 deles é que é igualzinho aos futuros em voga hoje em dia: carros de assalto, metralhadoras com design meio barroco, capacetes, tudo convergindo para um estilo de Distopia Militar Pós-Apocalipse que vai acabar sendo profética, porque, quando acontecer, pelo menos o figurino já estará à espera.


(O Futuro)

A complexidade da narrativa está fazendo muita gente abandonar o barco. Eu entendo. História de paradoxo temporal na FC é como crime de quarto fechado no romance policial. Você tem que ir construindo um “organograma” de pistas, relações, hipóteses, isso equivale àquilo, isso é por causa disso... Tem horas que muita gente diz: “Chega, me perdi, desisto”.

Quem já leu muita história assim se movimenta com mais facilidade. “Dark”, como muitas histórias desse tipo, tinha duas opções: 1) produzir o labirinto inicial, e ficar explorando as relações humanas dentro dele; e 2) sair expandindo o labirinto. Optou pela segunda.

Essa opção de continuar expandindo é o que alguns críticos da FC chamam “o estilo Doc Dmith”. O autor E. E. Doc Smith, criador da série dos “Gray Lensmen” começava com uma aventura espacial que envolvia o planeta inteiro; na segunda fase, a guerra envolvia todo o Sistema Solar; na terceira, era a Via Láctea inteira que tomava parte; na quarta, lá vinha gente de outra galáxia... É o estilo de cada um, mas equivale àqueles números de malabarismo de circo onde o cara começa com três bolas e daí a pouco está com dez.


(A Máquina do Tempo -- uma delas)

Um aspecto que eu gosto em histórias assim é que quando as pessoas ficam sabendo que alguém voltou ao Passado correm atrás de provas... e descobrem que essas provas estavam ali, a vida inteira, só que elas não viram. A foto do menino entre os coleguinhas estava no arquivo da escola. A foto do cara que foi preso saiu no jornal, 30 anos atrás. Todas as pegadas do Futuro estão lá no Passado... mas a gente só percebe depois.

Em O Fim da Eternidade (1955), de Isaac Asimov, um viajante no tempo vindo do Futuro fica preso na década de 1930 e dá um jeito de publicar mensagens “cifradas” nas revistas da época, deduzindo que seus colegas no futuro irão consultá-las e acharão essas coisas que, ininteligíveis em 1930, mostram ter sido escritas por quem veio do futuro.

A série “Dark” tem um visual extremamente eficaz, usando com habilidade uma tríade de ambientes (usina nuclear / cavernas / floresta). As alusões culturais (música de rock, comerciais de TV, vestuário) devem ser muito divertidas para quem prestou atenção aos anos 1980, o que não foi o meu caso. As máquinas do tempo (são várias – elas evoluem, feito os Pokémons) são de um design esplêndido, à altura da máquina Steampunk clássica de H. G. Wells conforme imaginada por Bill Ferrari no filme de George Pal (1960).







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