sexta-feira, 2 de outubro de 2015

3935) A última imagem (3.10.2015)




Existe um certo fetiche fotográfico de possuir (ou ter clicado) “as últimas fotos de Fulano de Tal” ou “a única foto conhecida de tal ou tal coisa”. Durante algum tempo a imprensa mostrou a última foto de John Lennon, autografando um disco para o fã que o mataria horas depois. Não sei se foi confirmada a autoria de outra, esta mais terrível, e se legítima provavelmente é a última: uma foto que vi na Manchete ou Fatos & Fotos, o corpo nu do Beatle na pedra do necrotério, o cabelo caído de lado, o perfil visível. Lennon foi um dos sujeitos mais fotografados do seu tempo. Até na pedra.

Não me ocorre agora o nome do fotógrafo que fez a única foto em que John Kennedy e Marilyn Monroe aparecem juntos. Esta foto em preto e branco foi capa de um livro brasileiro recente. Parece um conto de Edward D. Hoch: o presidente-casanova baixa a ordem de que ele e a sereia vulcânica de Hollywood não podem ser vistos nem fotografados juntos. Isso vira uma “missão impossível”, espicaça o orgulho dos fotógrafos; e um cara esperto consegue o flagrante.

As duas fotos conhecidas de Robert Johnson são duas raridades, e acho que não se sabe quem foram seus autores. Há pouco tempo houve uma celeuma interminável pelo possível aparecimento de uma hipotética terceira foto, mas parece que se mostrou ser um rebate falso.

Por foto rara não me refiro a fotos célebres que passam por “flagrante miraculoso de um momento de ação intensa e dramática”, como os soldados soviéticos encenando o hasteamento da bandeira da foice e do martelo nas ruínas do Reichstag, que, um dia depois, foi refeito para poder ser registrado pela câmera. A foto tem valor? Claro, mas não por ser um flagrante, tem valor porque faz parte de uma encenação maior, onde a foto é somente o McGuffin de todo o resto. A grande foto rara deveria ser, idealmente, uma foto casual feita por um anônimo, e não por um artista famoso ou um paparazzo que está no Guiness.

Pensei em Kennedy agora. Eu estava jogando bola no Alto Branco quando o rádio bradou que ele morreu. O crime mais mal-contado do século 20 foi filmado e fotografado por todos os ângulos, naquele incipiente começo dos anos 1960, onde tudo era caro e a cada foto batida a gente sentia o bolso ficar mais leve. E mesmo assim havia gente clicando tudo, bem ou mal esse material virou o que restou da História.

Nunca se fotografou tanto, chega parece que uma Inteligência Artificial mandou todo mundo fornecer e circular a maior quantidade de informação possível a respeito de si mesmos. Para que as futuras réplicas fiquem bem feitas, e cheguem até a pensar que são reais, tal como nós.



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