Eu era pequeno e vinha chegando de ônibus em João Pessoa e naquela pontezinha do rio Sanhauá vi uma menina se equilibrando na passarela de uma palafita, e ela escorregou sem querer e caiu com tudo dentro da água.
Num
hotel em Campos (RJ), eu esperava no estacionamento o carro que vinha me
buscar, quando vi um hóspede parar junto de um carro todo empoeirado e escrever
no vidro com o dedo: LAVA-ME POR FAVOR.
No
metrô de Paris eu vi uma mulher de seus 75 anos de pé, vestindo roupas
surradas, com o braço estendido e a mão em concha. Quando alguém lhe dava uma
moeda, ela fechava os olhos de vergonha, e abaixava a cabeça.
Eu
estava na rua olhando uma construção, e um pedreiro, do chão, jogava tijolos
para outro no segundo andar, ambos ocultos por paredes, de modo que eu só via
os tijolos se elevando no ar e sumindo dentro do prédio.
No
ônibus para ir à rodoviária de Salvador eu passava por um campo de pelada onde
bem no meio tinha um toco de árvore com um metro de diâmetro, a galera
inclusive tabelava a bola no toco pra driblar os adversários.
Eu
estava mexendo nos livros na estante de nossa casa na Rua Padre Ibiapina e vi
uma lagartixa morta, ressecada. Ela ficou presa embaixo de um livro e morreu de
fome, e o livro era a Bíblia Sagrada.
Numa
rua do Flamengo eu vi, da janela do ônibus, dois caras discutindo na calçada.
Um deles, mais alto, segurava pela mão o filhinho de 3 ou 4 anos. O outro era
quem gritava mais, e a certa altura esbofeteou o mais alto no rosto. O cara não
reagiu, e o filho não olhava para o agressor, olhava apenas para o rosto do
pai.
Num
lago congelado no centro de Amsterdam, vi a queda estrondosa de um patinador
que devia pesar uns 200 quilos, e só depois criei coragem para atravessar o
lago a pé.
Voltando
de uma viagem ao Vale do Jequitinhonha, o ônibus parou para o almoço num
restaurante de beira de estrada, e eu vi no quintal um papagaio, amarrado por
uma correntinha a um bujão de gás no terreiro.
Vi
na porta de um banheiro da Universidade Católica de BH a frase escrita a
caneta, “Che Guevara não morreu”, e logo abaixo: “Deve estar comendo sua mãe
agora.”
Perto
de Triunfo (PE) eu vi um sítio cuja cerca de arame estava cheia de CDs
pendurados, talvez para refletir o sol e afugentar os bichos.
No
interior da Paraíba eu atravessei uma ponte sobre um rio seco, em cujo leito se
via uma porteira, pois tinha virado caminho de gado.
Que memórias arretadas. Tudo isso agente vê no dia-a-dia e não dá importância. Cada memória desta, poderia ser tema de um livro, de uma tese, de um poema ou de uma música. No meu exercício de memórias, se destaca a lembrança de quantas vezes eu vi meninos, só de calção, correndo rua a baixo, batendo o o calcanhar na bunda. Felicidade ou medo.
ResponderExcluirQuando li me lembrei das cidades invisíveis, do Calvino.
ResponderExcluirMe dez lembrar de muitas das minhas memórias. Muito obrigado.
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