sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

3700) O quadro perdido (2.1.2015)



(foto do leilão do quadro)

Em 2014 aconteceu uma curiosa descoberta no mundo das artes.  O quadro Dama Adormecida com um Vaso Negro, do artista húngaro Robert Bereny (1888-1953), estava desaparecido há décadas. A última vez que tinha sido exibido publicamente fora em 1928.  Ninguém sabia do seu paradeiro, e supunha-se que tivesse sido destruído durante a II Guerra, como aconteceu com tantas outras obras. Ora, aconteceu que o pesquisador húngaro Gergely Barki, que escrevia na época uma biografia de Bereny, estava um dia assistindo o filme Stuart Little com a filhinha quando viu o quadro, na parede de uma casa no filme!

A história completa está aqui (http://tinyurl.com/q5frtkc).  Barki passou dois anos mandando cartas e mensagens para o estúdio, o diretor, os produtores do filme.  Acabou recebendo resposta da cenógrafa.  O quadro não era uma cópia; tinha sido comprado por ela num antiquário da Califórnia por 500 dólares. Foi revendido por um preço muito maior, recambiado para Budapeste e, agora em dezembro, foi vendido em leilão por cerca de 229 mil euros, cerca de 732 mil reais.

A história acaba aí para quem vê as artes plásticas como um possível investimento, mas ela tem outras ramificações.  A primeira que me ocorre é uma releitura da famosa frase de Paulo Coelho, de que “quando você tem um sonho pessoal tudo no universo conspira a seu favor.” O filme é de 1999, portanto passaram-se quinze anos sem que ninguém notasse o bendito quadro, que aparece, por trás dos atores, em várias cenas do filme.  Eu, por exemplo, jamais percebi sua presença ali, quanto mais seu potencial de mercado. Mas quando você é crítico de arte e está escrevendo a biografia de um artista, examinando foto por foto de quadro por quadro, todo aquele material está vivo e aceso em sua memória.  Não precisa muito para aquele estalo de “oxente, olha lá aquele quadro...”

No mais, é a lei dos grandes números.  O filme estreou em 2.878 salas nos EUA, e chegou a um pico de exibição em 3.151 salas simultâneas.  Depois, foi para a TV a cabo e o DVD doméstico, canal que o levou à Hungria e ao sofá onde Gergely Barki estava comendo pipoca com a filhinha pequena. O nome disso é fatalidade estatística. Se um evento excepcional só tem 0,1 de chance de acontecer, mas a quantidade de reiterações é multiplicada por cem milhões, algo me diz que vai acabar acontecendo.  É a varinha de condão dos milagres capitalistas e dos milagres estatais, dois sistemas que lidam com grandes orçamentos, grandes massas de informação, grandes públicos...  Quando a regra se conta em centenas de milhões, você acaba esbarrando numa exceção em cada esquina.




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