domingo, 2 de novembro de 2014

3648) O cientista louco (2.11.2014)



Ele queria destruir o mundo.  Ele queria ser um deus no altar.  Ele enxergava em cada descoberta uma outra porta aberta a o desafiar.  

Ele trabalhava nos subterrâneos-do-vaticano da fortaleza-da-solidão, agitava o-inferno-de-wall-street enquanto tentava mobilizar os-dragões-do-éden e ao mesmo tempo transformar a porra toda numa supernova onde ele finalmente reinaria em paz, sem ter que explicar nada, que justificar nada, que planejar nada, que carregar ladeira acima nada, que despencar orçamento abaixo nada, sem ter que recuar, sem precisar transigir.

O cientista louco é uma função mental à solta na cidade, com a mente em questão correndo atrás.  Ele não quer destruir, para ele basta imobilizar.  Como Goldfinger, que não queria roubar o depósito de ouro dos Estados Unidos, queria torná-lo radioativo e inaproximável, para que o valor de suas reservas pessoais subisse como um foguete.  

O cientista louco não é grotesco, canibalesco e mau. Seria como achar que um louco é quem tem falta de asseio.  Não.  Às vezes um louco é quem tem falta de concatenação consigo mesmo.  Às vezes é quem não tem a menor empatia com o outro.  E às vezes é alguém sem rumo, quem não sabe ao certo quem é, nem o que está fazendo.



Cientista louco é um sujeito do olhar fixo.  A loucura do cientista louco não é caricatural como os das revistas de Hugo Gernsback, nem aquela coisa circense-espectral de Gene Wilder em P&B.  

O cientista louco é o dr. Jekyll de O Médico e o Monstro.  É danado teorizar em cima de um spoiler, mas esse já está mais desgastado do que os de Roger Ackroyd e de Diadorim, então vamos em frente.  O dr. Jekyll é o Bem, e Mr. Hyde, “o monstro”, é o Mal.  Correto?  Correto nada.  



No livro, o doutor comenta várias vezes que ser Mr. Hyde e fazer o que Mr. Hyde fazia lhe dava consternação, mas também um prazer culposo.  Ele gosta, toma a droga que o transforma no espancador de crianças e idosos, e mantém tudo sob controle.  

A cena crucial da história é quando o doutor, muito cotidiano e respeitável, está sentado no banco de um parque, e de repente tem um escurecimento de vista.  Quando torna, ele se  sente diferente.  Vendo, ouvindo, sentindo, tudo diferente. Então ele olha para os pulsos e os pés.  A roupa está amontoada, sobrando, porque Mr. Hyde é de estatura menor que o doutor.


O cientista louco não é o que dá gargalhadas megalô-histéricas, o que ronca e babuja, o que brande o punho contra o crepúsculo e apostrofa uma civilização.  Basta ser o que perde o controle do experimento.  

O experimento começou sendo um eco dele, e ele agora é um eco do experimento.




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