Quando dirigi a fugaz Coleção Rama, de ficção científica, para a Editora 34, um dos primeiros títulos que mandei traduzir foi Dying Inside (1972) de Robert Silverberg, que foi traduzido por Ivanir Calado com o título Uma Pequena Morte (1993). Este livro é uma espécie de A Náusea da new-wave da FC dessa época. É a história de um telepata que pode entrar na mente de qualquer pessoa, num certo raio de alcance, e acessar tudo que ela está pensando, como quem captura um wi-fi alheio. Tal como Antoine Roquentin acessava a existência da raiz de uma árvore, no livro de Sartre. David Selig é um cara solteiro, solitário, sozinho, morando numa pensão mais-ou-menos, e parasitando as emoções alheias sem fazer muito esforço.
Mas mesmo um paranormal tem que pagar contas, e Selig
precisa descolar grana de algum modo. O
que faz ele? Como é um cara meio ocioso
e que gosta de ler, ele ganha a vida falsificando trabalhos acadêmicos para
alunos que têm muita grana ou pouco tempo, redigindo teses, “papers”, resenhas,
artigos acadêmicos, etc., por um preço mais do que módico. (O pagante só
enxerga o trabalho necessário para fazer seu artigo, que é sobre Surrealismo,
ou sobre Churchill, ou sobre o Teorema de Fermat; esquece da amplitude de
conhecimentos necessária para alguém se mover à vontade de um para o outro.)
Selig escreve sobre tudo, e hoje, por sincronicidade, abri
um exemplar da revista Piauí (ano 1, no. 7, abril -- http://tinyurl.com/l3sfuxp) onde reencontrei
um texto, tão saboroso quanto uma ficção, intitulado “Um trabalho de pontos,
vírgulas e interrogações”, assinado por Maria Lopes, uma mulher que em São
Paulo faz exatamente isso: recebe encomendas para escrever textos de nível
universitário ou jornalístico, cobra X, entrega, recebe. Tem gente que tem dinheiro e precisa de um
diploma o mais rápido possível. São uma
clientela estável, e, quem sabe, em expansão.
A história de Maria Lopes mostra, mesmo com o que tem de
específico, a vida do freelancer das letras ou do mercado editorial, porque
isso inclui não somente o ghost writer, como é o caso dela, mas também
redatores, tradutores, revisores, ilustradores, e vários outros que influem na
forma final do livro.
Obrigada por este artigo tão interessante. O relato de Maria Lopes é de impressionar. Sempre soube que existia esse tipo de coisa, mas, nesse nível, jamais.
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