Quando D. Valquíria faleceu, o único filho que conseguiu
viajar a Montes Claros para o enterro foi Rodrigo, o caçula. O mais velho, Paulo, estava na Índia fazendo
um mestrado em computação, e não conseguiria chegar a tempo. A do meio,
Alicinha, estava saindo de uma depressão no Rio de Janeiro e teve uma recaída
ao receber a notícia. Rodrigo, que por sorte era o mais prático e expedito,
viajou, velou a mãe, fez o sepultamento, tomou todas as providências. Examinou
sem muita saudade aqueles aposentos onde passara a infância. Sua preocupação
era o destino da casa. Vendê-la e repartir o dinheiro entre os três parecia-lhe
o único caminho.
Então chegou um email de Paulo lembrando-lhe o tesouro.
“Mamãe dizia que havia um tesouro enterrado na parede da cozinha”, recordou
ele. “Não vamos vender a casa sem verificar isto, não é mesmo?”. Rodrigo
ponderou que tesouros não existem, mas que se eles três espalhassem a lenda (na
qual ele não ouvia falar desde a adolescência) talvez conseguissem um preço
melhor pela casa, contando com a cobiça alheia. Via correio eletrônico, ficaram
dois dias avaliando o que fariam (Alicinha anunciou que qualquer coisa em que
os dois concordassem ela concordaria também, mas que a deixassem em paz). Mas
Paulo fincou pé. “Procure o tesouro”, insistiu.
Rodrigo (que tinha tirado uma semana de férias no emprego)
tinha pressa. Dias após o enterro ele invadiu a cozinha com quatro operários.
Era uma cozinha antiga, ampla, toda azulejada, com um velho fogão a lenha,
enorme, e mais um fogão a gás, geladeira, despensa. Durante dois dias,
arrancaram tudo, desmontaram tudo, esburacaram todas as paredes, cavaram o chão
até uma profundidade de três metros, e nada. Aquela terra compacta parecia não
ter sido remexida há séculos.
Ótimo e perturbador. Fiquei sem ar me imaginando ao telefone e vendo os destroços.
ResponderExcluir