Os críticos literários inventam muitos termos interessantes,
mas os rótulos inventados pelos meros escritores merecem atenção.
Chuck
Palahniuk, por exemplo, ao descrever seu romance Clube da Luta (que deu
origem ao filme de David Fincher, com Brad Pitt e Edward Norton), disse que se
trata de ficção apostólica. O que é isso? Ele explica: “Uma história onde um
apóstolo, sobrevivente, conta a história do seu herói”.
O próprio Palahniuk dá O Grande Gatsby como exemplo desse
tipo de livro. Isso é o que? É um novo
gênero literário? Uma nova classificação bibliográfica? Eu diria que não. É o
modo como Palahniuk, ou Fulano, ou Sicrano, organiza algumas leituras suas.
De
fato, ele tem razão. Podemos considerar todas as histórias de Sherlock Holmes
não apenas como ficção policial, mas ficção apostólica, devido ao narrador
(não-confiável ao extremo) que é o Dr. Watson. Um modelo recolhido nos contos
de Edgar Allan Poe sobre o Cavalheiro Dupin e seu anônimo narrador e amigo.
No Clube da Luta, conta-se a história do “herói” Tyler
Durden; em Rant, Palahniuk traz dezenas de narradores para compor um mosaico
da vida de “Rant” Casey.
Alguém será capaz de narrar com isenção e objetividade
os feitos do heróis a quem admira? Duvido. Toda vez que vemos grandeza em algo
nosso impulso irresistível é de ampliar essa grandeza. O peso, a impressão, a
presença, a influência que aquilo teve enquanto acontecia. Toda ficção
apostólica tem algo de delírio de grandeza; um delírio sobre a grandeza alheia,
no caso.
Ficção apostólica seriam talvez os Diálogos em que Platão
preservou a figura de Sócrates, que sem ele talvez tivesse escorregado para um limbo
onde provavelmente estão filósofos ainda mais lúcidos do que ele, mas que não
dispuseram de um taquígrafo tão dedicado.
Temos casos de não-ficção apostólica:
a Vida do Dr. Johnson contada pelas anotações de James Boswell, e o Borges de Adolfo Bioy Casares, ambos baseados em décadas de anotações minuciosas,
quase diárias, sobre todo tipo de conversa ou fofoca literária.
Pode ser um
narrador deslumbrado com um super-homem, como no Odd John de Stapledon. Pode
ser um apóstolo perplexo como o Ismael de Moby Dick, para quem o herói, Ahab,
é o maior mistério de todos. A ficção apostólica é sempre a de alguém que
sobrou no fim para contar a história.
Bacana essa nova "classificação".;)
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