domingo, 24 de março de 2013

3142) O Vampiro Predador (24.3.2013)





O vampiro é um arquétipo múltiplo, que vai recebendo diferentes projeções conforme ressurge em cada época, em cada cultura.  Cada medo customiza o vampiro de que precisa. Se o medo, como dizem os psicólogos, é um desejo ao contrário, tem a mesma força do desejo, a mesma energia vital do desejo, a mesma dinâmica do desejo. 

Quando Bram Stoker publicou Drácula (1897), saiu catando fragmentos de folclore da Europa Oriental, da Irlanda, do Oriente. Havia precedentes literários importantes (Richard Francis Burton, John Polidori, Sheridan Le Fanu, etc.), mas há um certo consenso de que a obra de Stoker foi dentro do mito o que se chama de uma “mudança qualitativa”. O jogo inteiro foi zerado em função das novas premissas.

Numa palestra recente no evento “Noites com Vampiros” (Caixa Cultural, Rio), com Júlio França e Júlio César Jeha, discutimos algumas dessas máscaras que o vampiro usa, ou melhor dizendo rostos, porque o vampiro, sendo um mito, não tem existência física a não ser no rosto que dele enxergamos. O mito é um feixe de estímulos potentes, contraditórios, imperiosos. A experiência do mito é sempre única, intransferível, porque é a soma do estímulo (um livro, um filme, uma imagem, etc.) com a nossa resposta a ele.

O vampiro criado por Stoker acabou se encarnando num aristocrata da Europa Oriental, um trecho sempre problemático do império britânico, aquele “onde o sol nunca se punha”. A Transilvânia parece um local onde o sol nunca nasce, pelo menos na severa iconografia que o livro de Stoker inspirou. É um lugar atrasado onde se acredita em bruxas, maus-olhados e feiticeiros. 

Já a Inglaterra era a Inglaterra de Allain Quatermain, Sherlock Holmes, a Inglaterra hoje romantizada e até desmedulizada numa parte do Steampunk, que esquece o lado cruel daquele processo todo, um Casa Grande & Senzala muito mais brutal. 

A Inglaterra onde o Conde Drácula surge como um aristocrata cada vez (no cinema) mais sofisticado, mais byroniano, mais baronial, mais carismático e magnético, o nobre capaz de dar uma ordem com um simples olhar – a outro nobre.

É mais simples dizer que o poder de Drácula é o poder que a Europa já teve e com o qual sonha, com seu Impossível Retorno.  Mas numa sociedade cada vez menos aristocrática e mais propensa a mitologizar o aristocrático, Drácula tem o poder e o carisma do patrão cruel visto pelos olhos do escravo agradecido.  É a versão masculina da Ayesha de H. Rider Haggard: Aquela A Quem Devemos Obediência. O cavalheiro de olhar penetrante, o herói byroniano diante de quem todos se curvam, e se curvam com gratidão e maravilhamento.



Um comentário:

  1. Parabéns,Braulio, pela análise deste arquétipo literário que, considero fascinante tanto quanto o Lobisomen e Frankstein. E, se analisarmos, esses tópos de poder ideológico na configuração dos "monstros" da saga Crepúsculo da Stephanie Myer, iremos verificar algumas sutilezas ideológicas recorrentes e distorções grotescas e perversas. O clã dos lobos (ou lobisomens) são representados por índios e hispânicos (etnias marginais latinoamericanas) configurados, estereotipicamente, por povos de um saber intuitivo e não acadêmico; enquanto os vampiros são demarcados pela riqueza, sofisticação, conhecimento academicista positivista e etnia europeia caucasiana. Os vampiros concebidos no universo da Myer são um misto de anjos de luz com aves de rapina egocêntricas que disputam o status e o poder político mundial como o de "redefinidores" de uma nova criação da humanidade (mais "evoluída"). Será que aí não existe um grande engodo para reforçar preconceitos (o próprio egocentrismo selvagem) e o paradigma do amor ligado ao status social, pois a protagonista decide tornar-se uma "vampira" da elite em lugar de uma loba pobre e, socialmente, marginalizada.

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