domingo, 6 de novembro de 2011

2704) O 1º. Poema escrito (3.11.2011)




Qual terá sido o primeiro poema a ser composto por escrito? 

É um problema interessante. Talvez não da história da literatura, porque provavelmente era algum poema bem ruinzinho pelos critérios estéticos do século 21. Mas é uma questão interessante (e, certamente, insolúvel) da história do pensamento humano. 

Pensem bem. Antes da invenção da escrita, as culturas se comunicavam unicamente em voz alta, e todas as informações eram guardadas na memória coletiva. 

A quantidade de informação e a complexidade das coisas a serem decoradas (hinos religiosos, a história dos reis e dos grandes feitos, as transações comerciais, as leis, as relações civis, as lendas e mitos, etc.) fez as cabeças mais inteligentes se dedicarem à invenção de um sistema de sinais que preservasse as palavras faladas através de marcas numa superfície.

Durante os séculos seguintes (digamos que a escrita começou na antiga Suméria, 4 mil anos antes de Cristo) toda a memória oral começou a ser transcrita para os papiros, tabletes de argila, etc. 

Novos textos continuaram a ser inventados, no processo tradicional: os poetas ou contadores de histórias imaginavam o que queriam dizer, e diante de outras pessoas recitavam ou narravam aquilo em voz alta. 

Todo poema era composto de sons; toda história só existia em forma de palavras ditas em voz alta. E depois alguém os transcrevia em sinais escritos. O escrito surgiu como uma forma de preservar e disseminar o falado.

Mas houve um dia em que um poeta pegou uma tábua de argila limpa, virgem, empunhou sua coleção de estiletes de pontas cuneiformes, sentou-se à sombra de uma árvore e começou a pensar (digamos) em um novo hino em homenagem à deusa Ishtar. 

As palavras foram surgindo em sua mente, algo como “Oh, grande deusa, tu que em forma de lua te ergues brilhando sobre as águas do Eufrates...” 

Algo assim. A questão é que ele estava sozinho, não havia nenhum dos seus colegas ou discípulos para quem ele pudesse dizer aquelas palavras e avaliar a reação. Mas ele achou que aquele começo não estava nada mau! E calado, sem nem sequer murmurar os versos, ele pegou os estiletes e começou a gravar, em sinaizinhos: “Oh, grande deusa...”

Parece uma besteira, né? Mas foi um instante crucial na história do mundo, tanto quanto a banheira de Arquimedes ou a maçã de Newton. Foi a primeira vez em que a palavra poética pensada tornou-se palavra poética escrita, sem passar pela palavra falada. 

Abriu-se uma portinholazinha minúscula, mas por ela passaram, milênios depois, desde os caligramas de Apolinnaire até os poemas concretos dos irmãos Campos, desde Cummings até o Poema Processo.






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