sábado, 17 de setembro de 2011

2664) Café não costuma faiá (17.9.2011)



Pegar a garrafa térmica, lavá-la em água corrente, deixá-la na pia, perto do fogão. Pegar a chaleira e enchê-la até um ponto que o olho já sabe. Acender o fogo, colocar a chaleira, colocar o suporte e o porta-filtro sobre a boca da garrafa. Pegar o vidro com o pó, pôr no filtro a quantidade certa, também sabida “de olho”, impossível de quantificar. Quando outra pessoa vai fazer e pergunta: “quantas colheres?”, não há resposta possível. É no olho, ponto final.

Sento e fico olhando a chaleira esquentar. Café é uma droga? Espero que a “Food and Drugs Administration” norte-americana nunca chegue a esse veredito. É um estimulante artificial; produz um estado de euforia mental durante algum tempo; produz insônia, nervosismo e outros efeitos colaterais (em gente fraca, é claro); e vicia. Será que vicia mesmo? Não sei porque nunca parei de tomar. Nos últimos 50 anos certamente não se passaram dez dias seguidos sem que eu tomasse uma xícara de café. E a quantidade normal do meu dia é pelo menos um litro.

O café produz em mim o que o uísque produzia em Humphrey Bogart (“Todo mundo está três doses abaixo do normal”) ou em Paulo Francis (“Bebo para tornar as outras pessoas mais interessantes”). Ele produz uma argamassa neuronial que une a paisagem na janela, a data no calendário, a imagem no espelho, as tarefas na agenda, as mensagens no monitor, o milhão de versos incompletos perpetuamente esvoaçando no meu espaço mental como mariposas em torno de um poste aceso. O café é um diapasão energético que deixa tudo vibrando no mesmo mantra. Deixa nossa mente vibrando em uníssono com o cosmo, dizendo a si mesma e ao cosmos: Yes, we can! Qual é o cosmos que resiste a uma cantada dessas?!

A água chia; depois, borbulha. Dizem os experts que a água não deve ferver, pois queima o pó e altera o gosto. Uma vida inteira de hábitos rústicos me acostumou a esse gosto alterado, portanto sempre exijo que a água esteja fervendo quando a derramo no centro do pó, num fio contínuo, fazendo movimentos circulares para que o pó inteiro fique umedecido por igual (movimento que os experts também desaconselham, eita povinho desmancha-prazeres). O aroma sobe. Lembro a frase de um amigo: “O melhor momento do café é o cheiro antes do primeiro gole, assim como o momento mais bonito da mulher é quando ela se despe enquanto a esperamos na cama”. O cheiro do café é a prelibação, o antegozo. O estímulo que anuncia o prazer anuncia sempre o prazer total e sem condições, o prazer perfeito e platônico. A realidade fica sempre aquém, mas não importa. Todo café é perfeito, na trajetória da chaleira à xícara, e da xícara à boca.

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