domingo, 18 de setembro de 2011

2665) Um cão achado na rua (18.9.2011)



Meia-noite de um daqueles domingos intermináveis em que o Tempo corre devagar, cedendo ao desejo de bilhões de pessoas que abominam ou temem as manhãs de segunda-feira. O domingo é um monstro que se recusa a morrer. Mesmo fuzilado, eletrocutado, envenenado, decapitado e incinerado, ainda mostra estremeções na ponta da cauda que não foi reduzida a cinzas. Você volta para casa a contragosto, porque os companheiros de mesa entregaram os pontos, pediram a conta, recusaram a saideira. Você vai pela Rua do Catete, de volta ao apartamento abafado onde ressona a família. Uma vez você batizou esse apartamento de “A Jangada da Medusa”, porque a única coisa que o prende àquelas pessoas é o fato de estarem conseguindo sobreviver juntos até agora.

Um cão remexe o lixo e ergue os olhos. Procurando um pretexto para retardar a entrada em casa, você pergunta: “E aí, achou o que comer?”. Uma das leis ocultas do Universo é que os cães são incapazes de falar, a menos que alguém lhes faça uma pergunta a sério. Frasezinhas carinhosas não contam. O cão larga dos dentes um naco corroído e diz: “Achei, mas será que na tua casa não tem alguma coisa melhor?”. Algumas coisas são tão improváveis que quando acontecem a gente reage da maneira mais prosaica possível. Você diz: “Gosta de presunto? Bora”.

Todos dormem. Na cozinha exígua, o cão se sacia de presunto. Depois percorre com você o apartamento. Ele é um cão meio psicólogo. “Essa é tua mulher? Rapaz, tu não pode reclamar. Sim, não é capa da Playboy. E daí? E tu, já te olhasse no espelho? Bota as mãos pro céu. A madame aqui dá um caldo.” Segundo quarto. “Esse teu filho tem asma. E essa tua menina vai ficar dentuça, tira esse dedo da boca dela. Pô, tu é um pai relapso, hem?”. Na bicama da sala, a sogra. “Parece gente boa. Implica contigo? Claro que implica. Ela achava que a filha ia casar com o Príncipe de Mônaco. E se ela tivesse casado com ele, ia reclamar do desodorante que ele usa. Mãe é mãe.”

Você oferece dormida, ele abana as orelhas. “Deus me livre, aqui tem muito gás carbônico, prefiro dormir na rua. Vou te dar uma dica. Vi tua casa, tuas estantes, teus CDs... Vai na Rádio Lux, fala com Domício Pereira. Ele vive atrás de um diretor de programação, e eu acho que você entende do assunto. Ele me serviu um hamburger uma vez. Gente fina, mas fuma pra caramba”. Você o leva até a porta, os dois se despedem. Este encontro mudará sua vida, mas nem mesmo Domício, seu futuro patrão, iria acreditar, embora diga às vezes: “Rapaz, uma vez eu levei um cachorro lá em casa, dei um hamburger, o bicho comeu como se fosse um menino de dez anos...”

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