Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 30 de julho de 2011
2622) “Meia Noite em Paris” (30.7.2011)
Woody Allen, um adúltero notório, acaba de trair sua esposa Nova York com a sedutora Paris, dando-lhe em seu belo filme Meia Noite em Paris um tratamento visual que lembra, a cada instante, uma tela de Van Gogh, ou de Utrillo, ou de Renoir. Ninguém ama tanto Paris quanto os norte-americanos, com a intensidade do amor que brota entre temperamentos conflitantes. Gil Pender é mais um da série de alter-egos que Allen (hoje com 75 anos) vem desenvolvendo desde que admitiu estar velho demais para fazer protagonistas engraçados e românticos. Acho que ele escolhe o ator (Kenneth Branagh, John Cusack, Josh Brolin, etc.; agora, é Owen Wilson) e o instrui para imitar meticulosamente os trejeitos, maneirismos e modo de falar de “Woody Allen”, aquele ator-personagem de quarenta anos atrás. Muitas vezes funciona.
Eu poderia tentar provar que Woody Allen se inspirou no brasileiro Malba Tahan para conceber esta história, em que um escritor norte-americano visita Paris e dá um jeito de voltar aos anos 1920 para conviver, durante a madrugada, com escritores e artistas daquele período. Em Sob o Olhar de Deus, de Tahan, o protagonista Célio Musafir tem um sonho em que visita o Paraíso, que, ao invés da infinita biblioteca postulada por Jorge Luís Borges, é uma espécie de clube, onde Musafir fica circulando, tomando uns drinques (não lembro bem o quê, mas como se trata do Paraíso deve ser refresco de groselha) e conversando com Charles Dickens, Mark Twain, Voltaire, Oscar Wilde e outros. Bobagem minha defender essa tese; qual o artista ou escritor que não já sonhou que se encontrava com seus ídolos e estes o tratavam de igual para igual? É divertido ver Gertrude Stein usando o termo “ficção científica” ou Man Ray ouvindo com atenção a descrição de Gil sobre o que lhe aconteceu e dizendo: “Ah, sim, você saiu de um universo e entrou em outro. E daí? Normalíssimo”.
O elemento fantástico do filme vem direto da série Além da Imaginação, onde a todo instante havia um trem, um automóvel, um elevador ou uma esquina conduzindo os personagens para um universo paralelo que os deslumbrava e lhes fornecia ensinamentos sobre o sentido da vida. Em outro seriado como Ilha da Fantasia, havia episódios em que surgiram personagens da história e da literatura para contracenar com os visitantes da ilha. Neste filme, Allen começa com uma premissa saudosista e nostálgica (“o passado era melhor”) e no final dá-lhe uma engenhosa dobradura crítica, voltando-a contra si mesma, com delicadeza e carinho. O filme é uma guinada imprevista na filmografia de Allen, que nos últimos filmes parecia acomodado a ser um reiterativo cronista conjugal. Midnight in Paris traz de volta uma mistura de lirismo e fantástico que ele explorou poucas vezes, mas sempre bem. O caráter cotidiano e reconhecível dos seus personagens ressalta melhor de encontro a um pano-de-fundo fantástico, como um pedaço de fotografia numa colagem de Braque.
Que viagem, hein?! ;)
ResponderExcluirBráulio, arrisco-me, também, numa teoria: ele poderia ter se inspirado em uma das Viagens de Gulliver: a passagem por Glubbdubbdrib, onde ele conversa com os fantasmas de figuras históricas, entre eles, Alexandre e César.
ResponderExcluirMas, como você expôs, é a abordagem de Allen que dá novo vigor a este motivo tão explorado pelos artistas - da grua da palavra.