Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sexta-feira, 15 de abril de 2011
2531) Sensação de cinema antigo (15.4.2011)
Os cartazes pendurados nas paredes de fora, para que a gente parasse na calçada e ficasse saboreando aquelas imagens cobertas por nomes de pessoas em inglês.
E os cartazes que eram pregados em árvores ou postes pelo centro da cidade, onde se colavam os “posters” dos filmes propriamente ditos, tendo nas bordas de papelão ocre as informações artisticamente manuscritas com pincel: “Breve”, “Hoje”, “De 6a. a domingo”, “Cens. Livre”, “Cens. 18 anos”.
A bilheteria era geralmente uma abertura semicircular na parede, ao nível dos nossos olhos ou um pouco mais alto, e muitas vezes pegávamos no ingresso e no troco ainda sem enxergá-los.
Ao lado do porteiro, sempre de paletó (menos nas matinais de domingo, quando estava às vezes em mangas de camisa), uma urna onde ele colocava os ingressos rasgados.
O saguão tinha em geral um pequeno balcão atrás do qual uma moça vendia chocolates; mas o mais importante eram as vitrines, trechos das paredes meio escavados para dentro, emoldurados em madeira, e com uma folha de vidro cobrindo aquele espaço onde estavam pregadas as fotos dos próximos filmes, que examinávamos até saber de cor.
As cadeiras eram de madeira, daquele tipo que fica erguido verticalmente e precisamos abaixá-las para sentar, deixando o assento em ângulo reto com o encosto.
Por serem de madeira, faziam um barulho danado quando eram batidas para baixo com força (quando o filme demorava a começar, p. ex., ou quando a fita quebrava). Foi certamente por isso que acabaram sendo trocadas por poltronas estofadas (e não para dar conforto aos usuários).
Havia o rapaz que vendia drops, chicletes e confeitos (é assim que chamamos “balas” na Paraíba), numa caixa de madeira leve, geralmente em forma de semicírculo, apoiada diante do corpo dele e com as extremidades presas a um cordão grosso que lhe passava por trás da nuca.
Muitos anos depois reencontrei essa imagem nas gravuras do século 18 mostrando um vendedor de “littérature de colportage” francesa ou um “chapman” inglês vendendo folhetos de cordel nas ruas de Londres.
Para além do cenário e dos objetos, no entanto, havia ali uma atmosfera indefinível que me vem à memória quando vejo algumas fotos de cinemas antigos (não qualquer foto; e não sei por que aquelas, e não outras).
Lá dentro, havia a sensação física de um lugar enorme e cheio de gente (o cinema era o maior espaço fechado que eu conhecia, com exceção das igrejas).
Havia o cheiro típico da madeira utilizada ali, o de uma certa umidade de um recinto que ficava fechado a maior parte do dia (ar condicionado não existia), o cheiro concentrado da multidão, os suores, os perfumes femininos.
E havia, quando vou mais longe ainda, e recupero os primeiros cinemas em que entrei, a expectativa difusa por algo miraculoso, maior que a vida real, e com o poder de fazer a vida real parar durante duas horas, para que as cortinas se abrissem e uma coisa impossível começasse a acontecer.
No Cine Belavista, na fronteira da nação Cruz das Armas com a nação Jaguaribe, o "bomboinzeiro" (de quem anos depois tornei-me amigo) chamava-se Ercílio. Foi de tanto inclinar-se para trás, tentando compensar o peso da caixa repleta de drops, confeitos e chocolates, que Ercílio nunca mais deixou de andar vergado. Como se um vento forte estivesse sempre empurrando sua testa para trás. Ivan Santos
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