Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quarta-feira, 16 de março de 2011
2505) Medo de alma (16.3.2011)
Por que temos medo de alma do outro mundo? Pergunta que todo psicanalista deveria fazer aos clientes. Pouparia tempo e esforço aos dois. Uma réplica muito frequente seria: “E quem lhe disse que eu sequer acredito na existência delas?”. Diante do que, caberia ao doutor perguntar: “Por que não acredita?”. Encurralado por essa pergunta, eu, no divã, diria algo como: “Porque acredito que nós não temos alma. Somos apenas um corpo.” E ele: “Quer falar sobre o seu corpo?” E aí começaria a desenrolar o fio freudiano que conduz ao minotauro.
São várias as razões para ter medo. 1) Que a alma nos leve para o outro mundo. 2) Que ela nos demonstre (desmoralizando-nos) que o outro mundo existe, sim. 3) Que pelo fato de estar no mundo transcendental ela tenha tido acesso a uma versão resumida da Onisciência Divina e saiba uma porção de coisas que fizemos e pensamos. 4) Que ela prove, ao provar a existência da alma, que o corpo, “este excelente, completo e confortável corpo” (Drummond), não passa de ilusão; 5) Que o contato com algo que não existe prove simplesmente que você ficou doido. (Vide o argumento do cara que não viajava de avião: “Não tenho medo de que o avião caia. Tenho medo de morrer de medo.”).
Não: as “almas do outro mundo” pertencem a uma categoria, os corpos deste mundo a outra. As almas são projeções feitas por nós mesmos, e é o cacoete religioso que nos faz dar-lhes uma origem sobrenatural. Pergunte, a qualquer sujeito que já viu uma alma do outro mundo, como era a aparência dela. Ele dirá algo como: “Era meu avô, juro! Reconheci a barba branca dele, o rosto quadrado, o chapéu que usava... Estava com um casaco escuro, de bengala, parado perto da escada do porão”. Ou então: “Vi a alma da antiga dona da minha casa! Estava segurando uma vela acesa na mão, com um vestido do século 18, um xale branco...”
Quem melhor equacionou essa charada metafísica foi Rudyard Kipling no seu conto “O Riquixá Fantasma” (1888). Nele, o protagonista vive assediado amorosamente por uma mulher que não larga do seu pé, e vive no seu riquixá (uma espécie de carroça indiana) a assediá-lo. A mulher morre. Tempos depois, ele vai andando na rua e vê a morta, no mesmo riquixá, ainda a persegui-lo. E ele se pergunta: “Peraí... eu estou vendo a alma dela... mas o riquixá também tinha uma alma?!”.
É curioso que, quando vemos a “alma” de nossa bisavó ou de um escravo que morreu no engenho, essas almas estejam sempre vestidas, e nunca nuas. Se o que vemos fosse de fato a projeção visível de sua alma imortal, essa projeção deveria se deter nos limites do corpo biológico do falecido, porque a alma corresponde ao corpo. Não existem a alma do paletó, a alma do chapéu, a alma do colete, a alma do vestido, a alma dos sapatos... Não, minha gente. Se o fantasma aparecer vestido, é mera projeção alucinatória do nosso inconsciente. Agora, se a alma de Marilyn Monroe aparecer nua em pelo na minha frente... eu ajoelho e rezo.
Amém!
ResponderExcluirHá na natureza muitas coisas que existem, mas que não enxergamos, por exemplo, as radiações nucleares (v. as últimas notícias do Japão).
ResponderExcluirPor outro lado, há coisas que enxergamos mas que não existem (infinitos exemplos na lei e na política).
Com relação à alma, acho que se encaixa na primeira categoria. Não sei se Kipling concordaria comigo; acho que Aristóteles, Agostinho e Tomás de Aquino sim.
Imaginativo e engraçadinho seu texto, gostei até.
olá Braulio Tavares
ResponderExcluircomo sei que você gosta de fazer umas glosas...
veja esse mote:
À moça do outdoor
Daria meu aposento.
eu o glosei à maneira de Glauco Mattoso: o primeiro verso do mote recai no quarto verso da glosa, e o
segundo no décimo.
Não sei se vivo só
Nem lembro se tenho terno
Ou se ainda enxergo
a moça do outdoor.
Minha cabeleira virou pó,
ando do mundo isento,
minha barriga é só vento
minha pele virou crosta.
Pra livrar-me dessa próstata
daria meu aposento.
A ciência espírita verificou que nosso perispírito é ideoplasmável. Portanto, ele poderá construir, a partir da vontade do espírito, certas vestes, acessórios e objetos conhecidos e que foram utilizados por aquela alma quando ela estava reencarnada. Igualmente, no plano espiritual, a partir do fluido universal, os espíritos constroem prédios, habitações, veículos, equipamentos e até cidades. Mais detalhes podem ser conferidos na obra de Allan Kardec, em Laboratório do Mundo Invisível, capítulo de um de seus livros. Assim, se a Marylin aparecer vestida, é bom se benzer também. Abs, RT.
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