Jean-Luc Godard e seus fumantes compulsivos, que acendem um cigarro no início de cada take. Como se fumava naquele tempo! E é curioso constatar que na França “aquele tempo” ainda é hoje, porque os franceses, nacionalistas como eles só, consideram que as campanhas anti-fumo são uma invasão dos EUA na sua liberdade individual, e preferem continuar fumando, e morrer de câncer. (Curiosamente, não me consta que os franceses tenham considerado a propaganda americana pró-cigarro, inclusive no cinema, uma invasão na sua liberdade individual).
Neste filme de 1962, Godard segue Anna Karina (de cabelo curto, com aquela virgulazinha às avessas junto à orelha) ao longo de uma Paris em todas as nuances do preto, do branco e do cinza, como só o fotógrafo Raoul Coutard soube inventar. O filme se inicia com um diálogo entre Nana e um de seus namorados, no balcão de um bistrô. Os dois estão de costas. Vemos apenas o cabelo de cada um, por trás, quando falam. Diz Godard: “Para que o público não se distraia com seus rostos, e preste atenção no que dizem.” Claro que o efeito é o inverso – a gente se concentra nos cabelos, e esquece os diálogos. Mas isto prova como Godard sabia mudar de posição o zero-cartesiano do cinema.
Viver a Vida é a história de uma prostituta, e há uma seqüência bela e cruel em que uma voz masculina recita burocraticamente os direitos e os deveres de uma prostituta francesa, citando a Constituição a cada passo, enquanto um clip de imagens nos mostra Nana e dezenas de homens anônimos num balé de quarto de hotel, despindo-se, beijando-se, conversando as banalidades de praxe, queixando-se do hotel (faltam cinzeiros, faltam cadeiras), e fumando o tempo todo. No final, Nana é envolvida numa disputa de gangues e é morta a tiros na rua. Ela cai. O assassino entra no carro, dá a partida. A câmera corrige para mostrar Nana caída no asfalto. Surge uma tela preta com o nome: “FIM”. Nessa fase inicial, os filmes de Godard terminavam sempre assim, rudemente, bruscamente, sem movimento de câmara mostrando o horizonte, sem violinos, sem fade-out, sem nada. Terminavam de repente, como a vida termina.
Há uma bela seqüência em que um dos “namorados” de Nana lê para ela o conto de Poe “O Retrato Oval”, em que um artista pinta o retrato de sua esposa doente e acaba transferindo para o quadro a vida dela, que morre quando o retrato perfeito é concluído. A câmara fica voltada para Nana, e mostra na parede, por trás dela, uma foto de Liz Taylor. Retrato e modelo, ficção e realidade, se misturam, porque Godard e Karina eram casados na época, e pode-se dizer que ele sugou dela toda a beleza de seu corpo físico, para criar na tela algumas das mais despojadas imagens da beleza feminina, com uma secura nada hollywoodiana. Como disse David Thomson: “Foi a descoberta de que ele amava Karina mais nas imagens em movimento do que na vida real que deve ter destruído seu casamento”.
Neste filme de 1962, Godard segue Anna Karina (de cabelo curto, com aquela virgulazinha às avessas junto à orelha) ao longo de uma Paris em todas as nuances do preto, do branco e do cinza, como só o fotógrafo Raoul Coutard soube inventar. O filme se inicia com um diálogo entre Nana e um de seus namorados, no balcão de um bistrô. Os dois estão de costas. Vemos apenas o cabelo de cada um, por trás, quando falam. Diz Godard: “Para que o público não se distraia com seus rostos, e preste atenção no que dizem.” Claro que o efeito é o inverso – a gente se concentra nos cabelos, e esquece os diálogos. Mas isto prova como Godard sabia mudar de posição o zero-cartesiano do cinema.
Viver a Vida é a história de uma prostituta, e há uma seqüência bela e cruel em que uma voz masculina recita burocraticamente os direitos e os deveres de uma prostituta francesa, citando a Constituição a cada passo, enquanto um clip de imagens nos mostra Nana e dezenas de homens anônimos num balé de quarto de hotel, despindo-se, beijando-se, conversando as banalidades de praxe, queixando-se do hotel (faltam cinzeiros, faltam cadeiras), e fumando o tempo todo. No final, Nana é envolvida numa disputa de gangues e é morta a tiros na rua. Ela cai. O assassino entra no carro, dá a partida. A câmera corrige para mostrar Nana caída no asfalto. Surge uma tela preta com o nome: “FIM”. Nessa fase inicial, os filmes de Godard terminavam sempre assim, rudemente, bruscamente, sem movimento de câmara mostrando o horizonte, sem violinos, sem fade-out, sem nada. Terminavam de repente, como a vida termina.
Há uma bela seqüência em que um dos “namorados” de Nana lê para ela o conto de Poe “O Retrato Oval”, em que um artista pinta o retrato de sua esposa doente e acaba transferindo para o quadro a vida dela, que morre quando o retrato perfeito é concluído. A câmara fica voltada para Nana, e mostra na parede, por trás dela, uma foto de Liz Taylor. Retrato e modelo, ficção e realidade, se misturam, porque Godard e Karina eram casados na época, e pode-se dizer que ele sugou dela toda a beleza de seu corpo físico, para criar na tela algumas das mais despojadas imagens da beleza feminina, com uma secura nada hollywoodiana. Como disse David Thomson: “Foi a descoberta de que ele amava Karina mais nas imagens em movimento do que na vida real que deve ter destruído seu casamento”.