Este filme de Alejandro Jodorowsky, exibido na retrospectiva desse autor no CCBB do Rio, é outra incursão sua no universo do “filme B para intelectuais”. O filme “B” propriamente dito é o filme feito com pouco dinheiro, com objetivos comerciais, e seguindo de perto uma fórmula consagrada. O filme B para intelectuais é feito também com pouco dinheiro, mas tem objetivos estéticos, filosóficos ou políticos, e tende a “explodir” as fórmulas que utiliza.
Santa Sangre foi feito no México por Jodorowsky em 1989, a convite de um produtor que lhe sugeriu um filme sobre um “serial killer” que matava mulheres. Jodorowsky produziu um filme de duas horas que começa num circo à la Fellini onde ocorrem adultérios e crimes à la Buñuel. A primeira metade conta a vida de Fênix, um rapaz internado num hospital psiquiátrico após ver o pai, artista de circo, cortar os braços da mulher e suicidar-se. Na segunda metade, reaparece a mãe, que o domina mentalmente e passa a usar seus braços e mãos como se fossem os dela, levando-o a cometer crimes.
Este breve resumo seria o bastante para um filme B convencional, que se dedicaria a contar apenas isto. Jodorowsky, no entanto, cria várias narrativas menores dentro desta, cada uma delas parecendo pertencer a um gênero diferente: terror, fantasia, surrealismo, “exploitation movie”... O filme B para intelectuais tem essa falta de cerimônia com relação às fronteiras entre os gêneros. O diretor B convencional é em geral um artesão que se especializa num tipo de filme específico (FC, faroeste, policial, etc.) e age como se a intrusão de elementos estranhos fosse um defeito, uma confissão de incompetência. O intelectual que dirige filmes B parece divertir-se com essas intromissões, essas pequenas heresias. Ele não se sente submisso nem às convenções nem às exigências do mercado. Não faz filmes para ganhar dinheiro, mas para se exprimir, para defender um ponto de vista, para se divertir – e os gêneros que se danem.
Santa Sangre traz citações explícitas a Psicose de Hitchcock, ao Homem Invisível de H. G. Wells, a clássicos do terror como As Mãos de Orlac e O Médico e o Monstro, aos incontáveis filmes que misturam terror e circo, às lutas de tele-catch mexicanas. Num debate após o filme, o diretor contou divertidas histórias de bastidores mostrando os truques (tão comuns no cinema brasileiro) para conseguir de graça elementos que um filme “A” simplesmente incluiria no orçamento.
A crítica cinematográfica costuma chamar (corretamente) de “filme B” a produção norte-americana de estúdios como Republic, Monogram, etc., ou de produtores independentes como Roger Corman, que faziam um longa num fim de semana. Por mim, o “filme B para intelectuais” inclui grande parte da obra de Godard, Glauber Rocha, Buñuel e outros que, como Jodorowsky, trabalharam com pouco dinheiro e puderam usar o cinema como uma destruição criativa de fórmulas e de receitas.
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