Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quarta-feira, 23 de junho de 2010
2175) A história de Márcio Volta (26.2.2010)
Conheci o protagonista desta história, Márcio Volta, quando ele trabalhava como tradutor na Editora Record, e eu era colaborador da Isaac Asimov Magazine. Mas nunca conversamos a respeito; tudo que sei (e passo a contar) me foi repassado pelos colegas lá da editora. Márcio era uma cara talentoso, escrevia bem, traduzia ainda melhor, mas tinha uma péssima caligrafia, que ele (filho de jornalista) atribuía ao fato de ter começado a escrever à máquina Olivetti com seis anos de idade. Em princípios dos anos 1990 ele decidiu se inscrever num curso em Botafogo tipo “Melhore a sua Caligrafia”. Fez o curso e dizem todos que ficou com uma letra ótima, diferentíssima – e legível. Foi abandonando a outra aos poucos.
Primeira reviravolta: Márcio ficou com saudade da letra velha e começou a produzir, com ela, um romance manuscrito em forma de diário, contando histórias de sua adolescência, porque (dizia ele) quando usava a letra nova tinha dificuldade em falar de coisas antigas. Fez esse diário apócrifo em nome de um narrador cujo nome não era mencionado, mas era alguém também carioca, mais ou menos de sua idade, que tinha morado nos mesmos bairros, feito as mesmas coisas... Era um diário um tanto picante, porque ele contava histórias cheias de sexo, drogas & rock-and-roll.
Pegou o livro, depois de pronto, e pediu que alguém na Record o digitasse. Imprimiu o resultado e o apresentou ao editor Sérgio Machado, seu patrão. Machado adorou o livro e o publicou alguns meses depois. Márcio Volta deu entrevistas, fez noites de autógrafo, apareceu na TV e em breve estava famoso no Rio. O livro virou o best-seller do verão.
Veio aí a segunda reviravolta. Um morador do Catete entrou com um processo dizendo que Márcio tinha contado episódios de sua vida íntima: tais e tais histórias, alegou ele, tinham se passado com ele. Márcio desmentiu de pés juntos. Mas logo pipocou outro processo movido por outro cara, de Ipanema, com a mesma alegação, só que citando outros capítulos do livro – que teriam se passado com ele (como provou, substanciadamente, com documentos, fotos, recortes de jornal). E não demorou muito até que um terceiro litigante, este da Urca, pulasse para dentro do ringue, também munido de provas irrefutáveis, demonstrando que alguns dos trechos de maior sucesso do livro de Márcio eram plagiados de sua vida.
O manuscrito original havia se perdido numa reforma feita na editora, e nem mesmo essa prova de autoria Márcio conseguiu apresentar. Não lhe adiantou muito reunir testemunhas ou documentos que provassem sua boa fé. Parece que no mundo jurídico prevalece a sensação de que se três pessoas se queixam da mesma coisa deve ser verdade. Advogados e querelantes sugaram de Márcio até o último centavo ganho com o livro. Márcio gozou e sofreu seus 15 minutos de fama. Soube que ele voltou a trabalhar na editora, e agora está envolvido com uma nova tradução brasileira do Alcorão.
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