sábado, 29 de maio de 2010

2088) O suicídio do goleiro (17.11.2009)



(Robert Enke)

Os jornais desta semana estão cheios de comentários sobre o suicídio do goleiro Robert Enke, do Hannover e da seleção alemã. O jogador, de 32 anos, sofria de depressão sem dizer a ninguém, exceto à esposa. No dia 10 passado, ele parou seu carro perto de um cruzamento com a via férrea, deixou a porta aberta e caminhou até os trilhos, onde foi atingido pelo trem. A polícia e a família encontraram uma carta de despedida deixada por ele em casa.

Muitas vezes nos queixamos (eu inclusive) da “marra” ou da pretensão de muitos atletas, no futebol e em outros esportes. O futebol está “assim” de jogadores arrogantes, cheios de empáfia, que se consideram semideuses, sem falar nos que, por serem evangélicos, afirmam estar em contato permanente com Jesus e que é Jesus quem lhes proporciona os gols que fazem e os títulos que ganham. (O que me dá a impressão de que existem milhões de “Jesuses” por aí, cada qual patrocinando um jogador diferente.) A verdade é que sem inventar essas couraças protetoras nenhum deles resiste à enorme pressão que sofre. A gente se esquece às vezes do sacrifício que é para um rapaz (que em geral, no nosso futebol, vem de família humilde) para enfrentar a via-crucis das divisões de base, onde milhares são chamados para que meia dúzia deles sejam escolhidos. Arranjar um empresário. Conseguir teste num clube. Agradar o técnico. Encontrar espaço no elenco (formado sempre por “macacos velhos”, escolados, no meio dos quais o garoto de 17 vai ter que se afirmar). Discutir contrato. Dar entrevistas justificando qualquer bobagem. Ser aplaudido pela torcida. Ser vaiado pela torcida. Passar 90 minutos levando pontapés e cotoveladas de sujeitos tão determinados e tão a-perigo quanto ele próprio. E por aí vai.

Meus amigos cantores e músicos vivem se referindo à pressão de subir no palco, ao nervosismo de enfrentar platéias... Bobagem. Sei que é verdade porque sinto a mesma coisa, quando é o meu caso, mas num show o artista está diante de gente que saiu de casa para aplaudi-lo. Estou com esta idade e não me lembro de ter visto um show, entre os milhares a que já compareci, em que o artista saísse do palco embaixo de vaias e de bagaços de laranja. No futebol, isso acontece dia sim dia não.

Adriano, hoje no Flamengo, comentou, após a morte de Enke, o período difícil que teve a partir de 2004, quando, depois da morte de seu pai, começou a beber. Deixar o rígido futebol europeu e voltar ao Rio foi uma decisão criticada por parte da imprensa (“falta de profissionalismo”), mas em última análise deve ter sido uma decisão sábia. Existem momentos em que o sujeito está tão pressionado para mostrar desempenho que só dorme se beber. Se isto acontece até com intelectuais maduros, com um enorme acervo de desculpas filosóficas pré-moldadas, por que não com um rapaz de vinte e poucos anos, que só sabe correr atrás de uma bola? Não tem bola que valha uma vida.

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