Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 29 de maio de 2010
2088) O suicídio do goleiro (17.11.2009)
(Robert Enke)
Os jornais desta semana estão cheios de comentários sobre o suicídio do goleiro Robert Enke, do Hannover e da seleção alemã. O jogador, de 32 anos, sofria de depressão sem dizer a ninguém, exceto à esposa. No dia 10 passado, ele parou seu carro perto de um cruzamento com a via férrea, deixou a porta aberta e caminhou até os trilhos, onde foi atingido pelo trem. A polícia e a família encontraram uma carta de despedida deixada por ele em casa.
Muitas vezes nos queixamos (eu inclusive) da “marra” ou da pretensão de muitos atletas, no futebol e em outros esportes. O futebol está “assim” de jogadores arrogantes, cheios de empáfia, que se consideram semideuses, sem falar nos que, por serem evangélicos, afirmam estar em contato permanente com Jesus e que é Jesus quem lhes proporciona os gols que fazem e os títulos que ganham. (O que me dá a impressão de que existem milhões de “Jesuses” por aí, cada qual patrocinando um jogador diferente.) A verdade é que sem inventar essas couraças protetoras nenhum deles resiste à enorme pressão que sofre. A gente se esquece às vezes do sacrifício que é para um rapaz (que em geral, no nosso futebol, vem de família humilde) para enfrentar a via-crucis das divisões de base, onde milhares são chamados para que meia dúzia deles sejam escolhidos. Arranjar um empresário. Conseguir teste num clube. Agradar o técnico. Encontrar espaço no elenco (formado sempre por “macacos velhos”, escolados, no meio dos quais o garoto de 17 vai ter que se afirmar). Discutir contrato. Dar entrevistas justificando qualquer bobagem. Ser aplaudido pela torcida. Ser vaiado pela torcida. Passar 90 minutos levando pontapés e cotoveladas de sujeitos tão determinados e tão a-perigo quanto ele próprio. E por aí vai.
Meus amigos cantores e músicos vivem se referindo à pressão de subir no palco, ao nervosismo de enfrentar platéias... Bobagem. Sei que é verdade porque sinto a mesma coisa, quando é o meu caso, mas num show o artista está diante de gente que saiu de casa para aplaudi-lo. Estou com esta idade e não me lembro de ter visto um show, entre os milhares a que já compareci, em que o artista saísse do palco embaixo de vaias e de bagaços de laranja. No futebol, isso acontece dia sim dia não.
Adriano, hoje no Flamengo, comentou, após a morte de Enke, o período difícil que teve a partir de 2004, quando, depois da morte de seu pai, começou a beber. Deixar o rígido futebol europeu e voltar ao Rio foi uma decisão criticada por parte da imprensa (“falta de profissionalismo”), mas em última análise deve ter sido uma decisão sábia. Existem momentos em que o sujeito está tão pressionado para mostrar desempenho que só dorme se beber. Se isto acontece até com intelectuais maduros, com um enorme acervo de desculpas filosóficas pré-moldadas, por que não com um rapaz de vinte e poucos anos, que só sabe correr atrás de uma bola? Não tem bola que valha uma vida.
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