Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 29 de maio de 2010
2089) Um cotidiano à fantasia (18.11.2009)
A fotógrafa mexicana Dulce Pinzón abre no fim deste mês uma exposição em Nova York na qual retrata imigrantes mexicanos nos EUA executando trabalhos cotidianos com uniformes de super-heróis. Ela forneceu as fantasias e fez as fotos enquanto os mexicanos trabalhavam. Vai daí que vemos o Homem Aranha pendurado em cordas, limpando pelo lado de fora as vidraças de um arranha-céu; o Tocha Humana no balcão de um restaurante, flambando comida na frigideira; O Coisa empunhando uma britadeira numa construção civil; Batman com uma lanterna, no escuro de um estacionamento, iluminando o caminho para os clientes; o Incrível Hulk descarregando um caminhão de carga; o Super Homem fazendo entregas de bicicleta, a capa esvoaçando ao vento; a Mulher Gato servindo de babá para crianças louras; o Dr. Fantástico, o “homem elástico”, trabalhando de garçon, pegando um prato no balcão com um braço alongado e entregando na mesa com o outro.
Como se vê, as fotos são cuidadosamente ensaiadas e preparadas para “passar uma idéia”, harmonizando o super-poder de cada herói à tarefa de cada trabalhador. Diz a artista que os verdadeiros heróis são as pessoas que trabalham nos serviços simples do cotidiano, recebendo salários baixos e enviando parte deles para ajudar suas famílias na terra natal. As fotos podem ser conferidas aqui: http://tinyurl.com/yjnpewq.
OK, tudo não passa de uma encenação momentânea para produzir uma obra de arte. Mas isso alarga uma fresta importante em nossa cultura, fresta que talvez tenha sido aberta durante a década de 1960, com a Contracultura, o movimento hippie, etc. Naquele tempo, vigorava, na maioria dos países, uma certa padronização de roupas. Tenho fotos de meu pai em Campina Grande na década de 1940: cerca de cinquenta homens, numa solenidade de inauguração, ao ar livre, no pingo do meio-dia, todos eles vestindo ternos brancos. Hoje em dia, se você pegar um ambiente semelhante e pessoas semelhantes, cada um vai estar vestido como lhe apraz: manga de camisa, roupas de todas as cores. Alcancei o tempo em que caixa de banco não podia usar cabelo grande nem barba, e tinha que trabalhar de camisa social branca e gravata. Uma das imagens mais surpreendentes que me lembro de ter visto foi a da linha de montagem de uma fábrica inglesa nos anos 1980: uma porção de operários junto à esteira rolante, aparafusando peças, sendo que um deles é um punk com um gigantesco cabelo moicano pintado de roxo.
Chamo a isto uma tendência irreversível. As pessoas irão cada vez mais carnavalizando seu cotidiano, teatralizando suas indumentárias, indo ao trabalho, aos passeios ou ao cinema com roupas de super-herói ou “de personagem”. Sinais disso são o crescimento exponencial de decorações como piercings, tatuagens, etc. O mundo de daqui a algumas décadas será um baile à fantasia. Vou deixar prontos por aqui meu camisolão e cajado de Profeta.
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