Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quinta-feira, 29 de abril de 2010
1970) "Oito e Meio" de Fellini (2.7.2009)
Fui rever este filme num curso que está ocorrendo no Rio, “História da Filosofia em 40 Filmes”, ministrado por Alexandre Costa e Patrick Pessoa. Entrada franca, mas mesmo assim me surpreendi em ver mais de 300 pessoas, às 10 da manhã de um sábado, vendo e debatendo filmes de arte. A vida presta! Melhor ainda rever este filme em tela grande, reencontrar as imagens de Fellini, que faz com o preto-e-branco o que João Gilberto faz com a voz-e-violão.
Oito e Meio (1963) já foi descrito, na época de seu lançamento, como “o filme mais hermético da história do cinema”. Vi-o pela primeira vez no Capitólio, quando era um cineclubista de 18 anos, com as mãos banhadas de suor frio, com “medo de não entender”. Teria sido difícil, porque já lera o que uma dúzia de críticos tinham a dizer a respeito. Quando surgiu aquele túnel silencioso, aquele engarrafamento de trânsito, aqueles automóveis asfixiantes, e quando Marcello Mastroianni, todo vestido de preto, emergiu do carro e começou a flutuar, elevando-se nos ares, tudo desapareceu. Elevei-me nos ares, eu também, e deixei-me levar por duas horas ao longo daquela galeria de rostos deformados por uma grande angular, de ambientes insólitos, de mulheres sensuais e cafonas, de cançonetas, mágicos de salão, querelas conjugais... E ao fundo de tudo, uma imensa plataforma de lançamento de um foguete espacial. Para que? Talvez um resíduo do tempo em que Fellini traduzia baluns das histórias em quadrinhos de Flash Gordon.
Não existe coisa mais chata do que um livro a respeito de um escritor que tenta e não consegue escrever um livro. Não conheço nenhum que preste. Por outro lado, um filme sobre as atribulações de um cineasta que tenta fazer um filme é algo fascinante. Por que? Não sei. Mas aí estão O Desprezo (Godard), Noite Americana (Truffaut), O Estado das Coisas (Wim Wenders) e tantos outros filmes de fascínio inesgotável. Lembro-me que quando vi pela primeira vez o filme de Truffaut, há mais de trinta anos, escrevi algo mais ou menos assim: “É um filme que desvenda todos os truques e todos os segredos técnicos de como os filmes são feitos, e torna isso ainda mais misterioso e fascinante do que era antes”. Não acho necessário mudar uma letra sequer.
Numa crítica publicada quando do lançamento de 8 ½, Truffaut disse: “A acreditar em Fellini, um diretor é antes de tudo um homem a quem todos incomodam, de manhã, de tarde, de noite. Fazem-lhe perguntas que ele ou não sabe ou não quer responder. Sua cabeça está às voltas com mil idéias contraditórias, impressões, sentimentos, desejos em botão, e no entanto todo mundo lhe pede certezas, nomes precisos, números exatos, lugares, cronogramas”. Não há dúvida de que o filme de Fellini foi uma grande inspiração para que Truffaut fizesse Noite Americana dez anos depois, dando a sua versão pessoal da Arte de Padecer no Paraíso.
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