terça-feira, 30 de março de 2010

1848) “Moacir Arte Bruta” (10.2.2009)



Revi no Canal Brasil este documentário de Walter Carvalho sobre um desses personagens que são às vezes chamadas de “para-artistas”, no sentido de que alguns fenômenos são chamados de “parapsicológicos”. Moacir é um sujeito com problemas mentais, que fala com dificuldade, e que desde pequeno demonstrou, se não um grande talento para o desenho, pelo menos uma compulsão irresistível para desenhar. Mora com os pais e duas irmãs num conjunto de casinhas, na periferia de uma cidade pequena de Goiás. Depois de uma vida inteira de trabalho, e de aparecer algumas vezes nos jornais e na TV, sua obra é procurada por turistas e colecionadores.

Todos nós temos uma certa simpatia implícita por esses artistas que, chamados vulgarmente de “doidos”, perderam a aura de ameaça ou de opróbrio que tinham antigamente. Graças à psiquiatria e a novas teorias estéticas, somos capazes de olhar com simpatia e condescendência para a obra de artistas como Carlos Pertuis e Fernando Diniz, revelados pelo trabalho da Dra. Nise da Silveira na série de trabalhos (filme, exposição, livro) Imagens do Inconsciente.

O problema com Moacir é que sua arte é bruta mesmo, no sentido de que é tosca, mal-feita, sem qualidades estéticas que, aproximando-a da arte convencional, a redimam. Do ponto de vista da técnica é como se um garoto de cinco anos estacionasse para sempre naquele estágio de representação visual, repetindo incessantemente os mesmos traços, as mesmas composições, as mesmas imagens. Moacir diversificou suas técnicas (lápis cera, lápis, tinta e pincel, etc.); diversificou suas superfícies (ele desenha e pinta em papel, em metal, em madeira, nas paredes e no chão da casa); mas não mudou de traço nem de tema.

Aí entra a parte mais desconfortável, capaz de fazer bambear um observador politicamente correto, ansioso para reconhecer que um doido pode ser tão artista quanto um não-doido. Porque há dois aspectos da arte de Moacir que podem incomodar muita gente. Um deles é o fato de ele pintar diabos (diabinhos mesmos, com chifres e cauda) o tempo todo. O pai dele, que tem um olho esperto e cúmplice, e se exprime por elipses e subentendidos, diz para a câmara: “Só não pode é pintar aquele. O do chifre. Por que? Porque não pode. Né?”

O outro são as suas imagens de sexo explícito envolvendo homens, mulheres, diabos e animais, em combinações que às vezes deixam o espectador meio desconfortável. Cenas de auto-erotismo, de bestialismo, de pessoas de todos os sexos executando posições de um Kama Sutra bizarro. Moacir interpreta todos os seus desenhos, menos esses: “Esse aqui eu não sei o que é...” Faltam palavras ou falta coragem de pronunciar as que sabe? Moacir não é um caso de doente mental que se curou através da arte. A arte nele é a apoteose do sintoma. Ele e o sintoma estão numa queda de braço que, a menos que ocorra um fato extraordinário, deve durar pelo resto de sua vida.

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