terça-feira, 30 de março de 2010

1849) O anti-intelectualismo (11.2.2009)



Um amigo meu foi assistir o Ensaio Sobre a Cegueira de Fernando Meirelles e comentou comigo que um jornal paulistano se referiu desdenhosamente ao filme como “uma mera tentativa de fazer filme de arte”. Achei engraçado esse menosprezo ao conceito de Cinema de Arte, que para mim não difere do Teatro de Arte, Pintura de Arte, Poesia de Arte... Parece que nestas outras áreas o termo “arte” é tão subentendido que se torna supérfluo, mas no cinema, uma mídia bastarda, tecnológica, popularesca, “divertimento de feira”, é preciso fazer a distinção. E nos dias que correm, ao que parece, essa distinção desvaloriza a arte em benefício do “entretenimento”.

Comparei essa frase a outra que li no mesmo dia na Folha de São Paulo sobre o recente CD de Lenine. O cara dizia (não exatamente assim, cito de memória): “Lenine é um artista inteligente, ou seja, já está a meio caminho de se tornar um mala”. Esclareço que no Sudeste “mala” não quer dizer “malandro, esperto”, como na Paraíba, e sim “um chato”, a famosa “mala sem alça”. Para esse jornalista, ser inteligente é meio caminho para ser chato. Imagino que com isto ele queira exigir dos artistas que sejam meio burrinhos para poderem ser compreendidos e assimilados pelos milhões de burrinhos que constituem O Público.

Por que essa preconceito contra a arte e a inteligência? Faço esta pergunta em benefício próprio, porque gosto de arte, me considero inteligente, e acho que ser inteligente é ser menos propenso à chatice do que ser burro. E neste últimos quarenta anos tenho percebido uma tendência interessante. A cada década que passa, aparece mais gente querendo desvalorizar conceitos como inteligência, cultura, intelectualidade, erudição, profundidade e tudo o mais. Se um artista é associado a qualquer desses termos, logo é acusado de elitista, incompreensível, esnobe, inimigo das “pessoas comuns”, enfim, um “mala sem alça”, um cara chato, pedante, que não deixa os outros se divertirem.

Acho que isto tem a ver com uma certa mentalidade mau-caráter que a cada década vem ampliando seu espaço no Brasil. É a mentalidade conhecida como a malandragem (no pior sentido), o golpismo, a “lei-de-Gérson”, o conto-do-vigário, o blefe. Esses indivíduos são os principais adversários de tudo que se diga inteligente, intelectual, culto, etc. Por que? Porque o contrário de “inteligente” não é burro, é esperto: “ichperto”, espertalhão, trambiqueiro, cascateiro, picareta, um-sete-um. O espertalhão não gosta dos inteligentes porque estes não caem com facilidade nos seus golpes. (Caem de vez em quando, claro – os inteligentes em geral são honestos, porque sabem que isto é mais benéfico a longo prazo, mas em compensação tendem a imaginar que todo mundo também é honesto.) Enquanto existirem inteligentes haverá alguém para abrir os olhos dos burros contra os golpes dos espertos, e isso é algo que os espertos morrem ciscando mas não admitem.

2 comentários:

  1. Acho que vc foi plenamente entendido, sequer alguém ousou tecer um comentário! Parabéns.

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  2. Bráulio, você está enganado.

    Ambos os comentários evidentemente se referem a outra coisa: PEDANTISMO artístico. Afetação, utilização de recursos pseudo-poéticos e pseudo-profundos que aí sim, tentam substituir uma idéia sofisticada e inteligente, mas COMPREENSÍVEL, por algo "atmosférico", "profundo" mas obscuro, opaco, indecifrável.

    O pós modernismo tornou possível que todo mundo faça poemas, video-instalações e filmes inspirados em Tarkovsky e David Lynch que são verdadeiras porcarias. Não há nada em muito da "arte" que é feita hoje em dia, e esconde sua ausência de conteúdo através de maneirismos estéticos.

    Você errou muito nesse artigo. Não há nada de "anti inteligente" nas críticas. Há de anti pretensioso.

    Veja esse vídeo elucidativo sobre o assunto:

    http://www.youtube.com/watch?v=gQQPnYr9KY4

    Abraço

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