terça-feira, 30 de março de 2010

1847) Madame Bibiloni de Bulrich (8.2.2009)




O diário Borges de Adolfo Bioy Casares (Ediciones Destino, 2006) retrata de forma indireta personagens de uma Buenos Aires que parece inventada por dois humoristas sardônicos. 

Uma delas é a Madame Bibiloni de Bullrich, ou, mais precisamente, Beatriz Bibiloni Webster de Bullrich. É pena que o livro não seja ilustrado, porque muito me agradaria ver a reprodução de um retrato a óleo (só serviria assim) dessa socialite de vasta inocência, que nunca recuava diante de um solecismo, um absurdo ou um haraquiri verbal. 

À página 65 se diz que ela foi convidada a um baile, e à saída lhe perguntaram o que tinha achado. Respondeu: “Gostei, mas prefiro aqueles onde há gente conhecida que nos tira para dançar”.

Quando sua irmã se suicidou, ela tentou suavizar o fato informando (p. 210): “Minha irmã é tão exagerada que tomou essas coisas para dormir”. 

Tinha uma noção bem peculiar sobre o talento. Foi informada de que alguém conhecido havia ganho na loteria. Quando soube que havia comprado o bilhete inteiro, ganhando com isto o grande prêmio, comentou: “Que inteligente!” (p. 179). 

Tinha opiniões muito claras sobre si mesma: “Eu não sou uma mulher frívola. A única coisa que me interessa é o dinheiro” (p. 134). Vá se adivinhar o que ela entendia nesse adjetivo, porque também afirma: “Minha irmã era uma mulher frívola, mas eu a trouxe ao clube de bridge e agora ela passa o dia jogando” (p. 463).

Este exemplo gera uma discussão filológica entre Borges e Bioy, onde cabe a este, mais afeito à alta sociedade, explicar ao amigo que “frívola” não significa superficial, e sim “mulher que se deita com muitos homens”. Borges comenta: “Esta noite fizeste uma grande descoberta filológica. Mas a elas não podemos perguntar essas coisas porque ficam ofuscadas, pensam que estão sendo submetidas a uma prova”.

Ela conta um episódio em que saiu com umas amigas para ver fogos de artifício numa praça: “Vimos uma bola de fogo que avançava sobre nós. As outras fugiram. Eu, com meu psiquismo, compreendi que não me aconteceria nada. Depois tive que ir à farmácia, porque fiquei com as pernas cheias de queimaduras”. E Borges comenta: “Ela é invulnerável à realidade” (p. 62).  

Lamento não ser portenho para saborear a ênfase com que ela elogia uma festa a que compareceu: “Nessa festa estava tudo que é Unzué e tudo que é Madero” (p. 395). Com que sobrenomes uma socialite paraibana lapidaria um elogio desse porte?...

Na década de 1950, o marido da madame era presidente de uma associação beneficente dos refugiados húngaros. Borges comenta: “Às vezes ela é incapaz de recordar o nome da entidade e diz: ‘Ele é presidente dos húngaros’. Fala como quem entrega peças de um quebra-cabeças, e o interlocutor deve encaixá-las. Ela mesma afirma que "para conversar com ela é preciso ser muito inteligente” (p. 383). 

Se a sra. Bibiloni não existisse talvez nem mesmo Borges e Bioy, dois sarcásticos de truz, pudessem inventá-la.






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