Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
domingo, 24 de janeiro de 2010
1564) Siba e a Fuloresta (18.3.2008)
Saiu o segundo CD do compositor pernambucano Siba, com seu grupo A Fuloresta do Samba. O título é um mote impecável: Toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar. Os versos nos remetem à canção manguebit de Chico Science que dizia: “Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar”. É a base da estética alternativa, independente, da rapaziada elétrica das cidades grandes. A única maneira de mudar o mundo é com as próprias mãos, a única maneira de fazer o planeta girar é usando as próprias pernas. Como já previa Geraldo Vandré: “Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo...” É a filosofia da geração DIY, “faça você mesmo”, não fique de braços cruzados, cruzando os dedos, esperando que alguma coisa aconteça. Aconteça você mesmo as coisas.
Foi o que fez Siba quando se afastou do bem-sucedido grupo Mestre Ambrósio (que nunca encontrou uma gravadora à sua altura) e se transferiu para Nazaré da Mata para trabalhar com um grupo de músicos locais, batizado de Fuloresta do Samba a partir do título do seu primeiro CD conjunto, de 2002. A Fuloresta tem à frente Siba como principal compositor e vocalista, acompanhado por um naipe de sopros (sax, trumpete, trombone e tuba) e outro de percussionistas (tarol, mineiro, póica e bombo). O resultado é um som híbrido de bandinha de coreto, grupo de maracatu rural, cirandeiros de praia ou bloco de carnaval de rua. Metais rascantes, estridentes; ratatá permanente de tarol; vocais roufenhos a plenos pulmões; e por cima de tudo a voz limpa e serena do poeta, equilibrando-se entre as melodias suingadas e a prosódia clássica dos versos, como um acrobata que caminha sobre duas cordas-bambas paralelas.
Siba traz para a execução musical dos instrumentistas da Fuloresta um conceito mais profissional de organização de palco, de alternâncias, de formatos ensaiados que mantém o jeito pessoal de tocar de cada um, dentro de uma formatação de show que não surge como uma violência ou como uma pretensa “modernização”. Os músicos tocam daquele jeito. O som é aquele. Os formatos de canção são aqueles. A contribuição maior do compositor e vocalista principal me parece estar na organização dos arranjos e do repertório – o que é feito de acordo com sua experiência de estúdio e de palco – e principalmente nos versos, feitos com técnica impecável e inspiração constante.
Neste disco novo destacam-se os versos impagáveis do martelo sobre futebol, em cima do mote “Ninguém pode ganhar campeonato / se o juiz não tem mãe nem coração”; a hipótese, já explorada pela ficção científica, de “Será que ainda vai chegar / o dia de se pagar / até a respiração?”; a bela e minimalista canção de Biu Roque sobre a folha da bananeira, com um vocal arrepiante; o tom altivo de desafio em “Pisando em praça de guerra”. A poesia de Siba e a música da Fuloresta fazem uma combinação única, que não deve virar receita mas pode servir de exemplo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário