Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 23 de janeiro de 2010
1563) Histórias Encapsuladas (16.3.2008)
O Prof. Geoffrey Cumbersome voltou a encher o cachimbo com mãos trêmulas. Um colega da Universidade de Oxford lhe encomendara um verbete sobre o tema “Histórias Encapsuladas”, e ele estava apavorado.
O Prof. Cumbersome era um charlatão. Conseguira todos os seus Mestrados e Doutorados por mero pistolão político, mas seu conhecimento de teoria literária era quase nulo. Agora, teria que “colar” mais uma vez.
Suando frio com a possibilidade de desmascaramento, cofiou a barba ruiva e estendeu a mão para o volumoso Tratado de Narratologia, de Hanselminth, correu o dedo pelo índice remissivo, abriu o livro na página 714 e começou a ler:
“Em 1923, um distraído turista belga, passeando pelos sebos da Rive Gauche, deparou-se com um livro que portava na capa o nome de Frantisek Holsa. O título: "Os Mundos Concêntricos".
O Dr. Lefèvre (pois este era seu nome) franziu o sobrecenho. Conhecia bem a obra de Holsa, sobre a qual já escrevera alguns ensaios. Aquele título, contudo, jamais fora mencionado em qualquer texto entre as centenas que já lera sobre o excêntrico novelista tcheco.
O doutor ergueu o volume com cuidado; era uma edição de 1897, encadernada em couro vermelho com letras douradas. Parecia tratar-se de um livro de meditações filosóficas. Comparando os números das páginas no índice, o Dr. Lefèvre escolheu o da página 45, que parecia o mais curto, pois o conto seguinte começava na 47. Ajustando os óculos, chegou à página desejada e leu:
“Assim como existem, segundo a Ciência, planetas inteiros, em tamanho infinitesimal, com seus continentes e oceanos, boiando numa simples gota dágua, é-nos permitido supor que esta escala decrescente de dimensões jamais poderá ter fim, pois que em cada micro-gota de cada micro-mundo outros mundos menores também estarão contidos, e assim por diante, ad infinitum.
Várias mentes criativas já enunciaram esta verdade; nenhuma com mais originalidade ou mais ênfase que o pensador andaluz Ahmed Al-Qazari, em sua coletânea de parábolas Visões, escrita durante os anos que passou em Toledo. Em sua “visão” mais conhecida, Al-Qazari assim se exprime:
“Glória a Deus, o Inefável, o Indefinível! Sucedeu-me estar em viagem na estrada que leva de Toledo a Córdoba, acompanhando um grupo de peregrinos, quando o guia que precedia nosso grupo avistou, entre os arbustos à beira da estrada, um baú tombado, aparentemente perdido por uma caravana.
Recolhemos aquele achado e o levamos conosco até a estalagem onde passamos a noite. Após a ceia discutimos nosso achado e achamos por bem abri-lo, em busca de alguma indicação sobre seu proprietário. Qual não foi nosso espanto quando descobrimos no seu interior, envolto em espessos tecidos protetores, um globo de cristal de estranha luminosidade.
Colocamo-lo sobre a mesa e avistamos em seu interior o rosto de um homem com espessa barba ruiva, segurando um cachimbo fumegante e gritando em inglês: “Help me! Help me!”
(Este conto faz parte do volume Histórias Para Lembrar Dormindo, Casa da Palavra, Rio de Janeiro, 2013)
Clap, clap, clap!
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