quinta-feira, 26 de novembro de 2009

1381) O anjo azul (17.8.2007)


(a cena que descrevi de memória)

Revi dias atrás este filme clássico de Josef von Sternberg. É o filme que revelou Marlene Dietrich, e consagrou um dos “posters” mais famosos do cinema: Dietrich, no palco de um cabaré, sentada num banquinho, com uma cartola prateada na cabeça, erguendo no ar a perna dobrada, vestida em meias de nylon, segurando-a com os dedos cruzados no joelho. Dietrich virou estrela de Hollywood, virou símbolo sexual, virou mulher-enigma para os intelectuais, virou modelo para um milhão de travestis.

O filme conta uma daquelas histórias cruéis em que um homem de meia-idade, sério, conservador, se apaixona por uma sirigaita que acaba fazendo dele gato e sapato e conduzindo-o à sarjeta. O professor interpretado por Emil Jennings é uma figura alternadamente antipática, simpática, ridícula, patética. Podemos entender sua paixão pela cantora, uma paixão atabalhoada e que culmina num casamento absurdo. Como todo puritano, o professor nunca viu aquilo, coitado, e quando vê, não resiste. Lembra aquele personagem moralista e circunspecto de Nelson Rodrigues em O Casamento; no dia em que toma um pileque, acorda na cama de uma prostituta que elogia suas numerosas performances ao longo da noite inteira.

O crítico Roger Ebert comenta com argúcia que é fácil entender o que o professor vê em Dietrich, danado é entender o que ela viu nele. Talvez respeitabilidade, casamento, uma cortina de fumaça para a velada prostituição que ela exerce entre os camarins e os hotéis. Dietrich ora se mostra carinhosa com o velho, ora ríspida, ora desdenhosa. Ele nunca sabe (nem nós) como ela vai tratá-lo na cena seguinte. Mas fica ali, grudado no pé dela, como um cachorro enxotado que pede socorro a quem o enxotou.

David Thomson acha que o personagem de Dietrich no cinema não tinha muito a ver com a atriz real; foi uma criação de Sternberg ao longo dos sete filmes que fizeram juntos entre 1930 e 1935, e talvez reflita aspectos da relação tempestuosa que os dois viveram como diretor e atriz, homem e mulher. Dietrich, diz Thomson, “era uma invenção do cinema, uma mensagem entendida pelos espectadores mas não por ela mesma. (...) Nunca mais ela voltou a ser aquela mulher, e tanto esta perda lhe fez falta quanto ela foi sempre incapaz de compreendê-la”.

Dietrich foi transformada por Sternberg, diz ele, na “essência da mulher sado-masoquista”, predadora, cruel, insaciável e indiferente. Ao mesmo tempo, ele cita as palavras de Sternberg descrevendo como a tratava nas filmagens: “Não fui um entusiasta, mas alguém que criticava mecanicamente, friamente, qualquer movimento seu. Quando havia um elogio, era algo como ‘Está bem, esta vai servir’. O que ela escutava na maior parte do tempo era: ‘Vire os ombros para lá e se endireite... Abaixe a voz uma oitava, sem ciciar... Conte até seis e olhe para aquela lâmpada como se não pudesse viver sem ela... Fique assim, não se mexa, estamos ajustando as luzes”. Era assim que a predadora preferia ser tratada.

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