terça-feira, 26 de maio de 2009

1048) O detetive Freud (26.7.2006)




(Ilustração: Nerilicon)

Um amigo meu dizia: “Freud foi o maior antropólogo do mundo”. Já vi uma crítica a Freud dizendo que ele era um sujeito que, baseado numa premissa falsa, construiu um edifício de deduções impecavelmente corretas. Várias pessoas, inclusive eu mesmo, já tentaram indicá-lo para o Prêmio Nobel de Literatura. 

Certas ou erradas as suas premissas, poucos sujeitos de obra densa e difícil terão sido tão absorvidos pela cultura-de-massas, pela linguagem cotidiana. Todo mundo hoje em dia fala em trauma, em complexo, em neurose, em inconsciente; e todo mundo acha que sabe perfeitamente do que está falando.

Freud foi o primeiro grande detetive de nossa era, ao lado do seu contemporâneo Sherlock Holmes. 

As duas figuras já foram comparadas por muita gente, e aconselho a todos o divertido filme de Nicholas Meyer, Uma Solução Sete por Cento (1976), onde Holmes (Nicol Williamson), sofrendo com o vício da cocaína, é levado por Watson (Robert Duvall) a Viena para se consultar com o jovem e desconhecido Dr. Sigmund Freud (Alan Arkin). Eles acabam se envolvendo e agindo juntos numa trama de crime e mistério, onde os poderes dedutivos de Holmes se somam à percepção psicológica de Freud.

Lendo ensaios como “Leonardo da Vinci e uma Memória de Infância”, onde ele compara um quadro de Leonardo a um trecho de seus diários, não há como não visualizar Freud, sentado à noite, na solidão do gabinete, numa poltrona dentro do círculo de luz de uma luminária, tendo ao lado o cachimbo, e nas mãos um álbum com reproduções das pinturas de Leonardo. 

De quando em quando ele se levanta, vai à estante, localiza um livro, volta a sentar, lê durante trinta ou quarenta minutos, tomando notas num papel. Depois volta a contemplar as pinturas, recorre a outro livro, a dois, a três, em busca de uma informação fugidia, tentando comparar diferentes versões de um fato, ou diferentes interpretações de um detalhe. Noite adentro, o olho do detetive olha para aquela imagem que todos já viram, e vai descobrindo ali algo que ninguém tinha enxergado.

O psicanalista, como o detetive, é um sujeito que trabalha por indução e por dedução. Ele se depara com três ou quatro indícios aparentemente desconexos e sem sentido. Examinando-os, pensando bem, ele esboça uma primeira hipótese para justificar a presença daqueles dados contraditórios. Com a hipótese formulada, ele volta ao “local do crime” em busca de outros indícios que, caso a hipótese seja verdadeira, deverão estar ali. 

Neste processo, ele oscila entre a imaginação criadora, que formula a hipótese, e a observação dos fatos, o grande teste, o rochedo implacável onde tantas belas teorias acabam se espatifando. 

Freud e Sherlock Holmes são dois picos vizinhos da grande cordilheira da racionalidade do final do século 19, que talvez tenha sido o ponto mais alto da Razão humana em nossa época, antes do mergulho, no século 20, nos princípios da Indeterminação, do Relativismo, da Incerteza e do Caos.





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