sexta-feira, 27 de março de 2009

0919) C. S. Lewis e o mistério do tempo (25.2.2006)





(C. S. Lewis)

C. S. Lewis, autor das Crônicas de Narnia era um persuasivo defensor da fé cristã, com argumentos que com freqüência lembram os de G. K. Chesterton, outro convertido na idade adulta. Numa carta a seu amigo Sheldon Vanauken, em 1950, Lewis escreveu: 

“Por que os peixes não se queixam de o mar ser úmido? E, caso o fizessem, isso não seria um forte indício de que eles não tinham sido, ou não seriam para sempre, criaturas aquáticas? Vejam como nós nos surpreendemos o tempo inteiro com a passagem do tempo. ‘Como o tempo voa! Olhem só, Harry já ficou adulto, e se casou! Parece incrível!’ Meu Deus, porque agimos assim? Talvez, sem dúvida, pelo fato de que existe em nós alguma coisa que não pertence ao domínio do Tempo”.

Essa coisa a que Lewis se refere é sem dúvida a alma imortal, postulada pela fé. Sendo do domínio espíritual, nossa alma talvez partilhe da ubiqüidade cronológica da Divindade, da sua capacidade de ver a Eternidade inteira à sua frente, sem fluir, sem passar. 

Nosso corpo está sujeito aos processos de crescimento, amadurecimento, velhice, morte e dissolução; mas a alma está fora do tempo, intacta, inatingível.

O mesmo argumento, no entanto, pode ser usado para distinguir o mundo do Corpo e o mundo da Mente (em vez do mundo da Alma). Não discutirei aqui a existência da Alma, grave problema filosófico que não foi solucionado até hoje e não serei eu a fazê-lo num artigo de três mil toques. Mas acho que nosso conceito de Tempo é contraditório e cheio de paradoxos porque experimentamos a cada instante duas faixas de Tempo totalmente diversas: o tempo do corpo, e o tempo da mente.

O tempo do corpo é irremediavelmente cronológico (perdoem a redundância). Flui numa única direção, do passado para o futuro, e está submetido aos mesmos processos físicos e químicos que governam os animais, as plantas, a matéria inorgânica, os planetas. O tempo do corpo é uma seta que aponta e se alonga sempre na mesma direção.

O tempo da mente, no entanto, como a memória RAM dos computadores, uma memória de acesso aleatório. Numa fração de segundo podemos reconstituir imagens de um passado remoto ou conjurar imagens irrealistas e fantásticas de algo não-existente e nunca-antes-imaginado. 

É como se o nosso corpo fosse um transatlântico singrando o oceano em linha reta, mas dentro dele a nossa mente fosse um indivíduo que vai de um convés a outro, corre para a popa e depois para a proa, desce aos porões, sobe ao mastro mais alto... 

Ou seja: mesmo presa ao trajeto retilíneo do corpo que a abriga, a mente parece desfrutar de uma aparente liberdade em relação ao tempo, movendo-se, de acordo com sua vontade, para a frente, para trás ou para os lados. 

Se isto é um mero processo eletroquímico que ocorre nas células ou se é sinal da presença de uma alma, eu não sei. Perguntem a C. S. Lewis, pois a esta altura ele já viu a resposta.




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