W. J. Solha já produziu romances, contos, textos teatrais, libretos de ópera; é artista plástico, ator, o escambau.
Seu primeiro livro de poesia é este Trigal com Corvos (Ed. Palimage, em Viseu, Portugal), que para mim, pelo menos, é um abençoado retorno à poesia com palavras, com frases, com idéias, com substância mental.
A poesia de Solha é uma cachoeira de idéias, borbotões de pensamentos sobre arte, vida e mundo, e usa como instrumento o verso longo e flexível de Walt Whitman e Fernando Pessoa “Álvaro de Campos”.
Solha faz uma poesia cuja atitude diante do mundo mistura perplexidade, desespero pela própria pequenez, deslumbramento, prazer infantil na descoberta de pequenas harmonias e belezas.
“O mais longe que pude ir foi aqui mesmo”, diz o poeta, sentindo “essa impaciência feroz de quem martela um parafuso”.
O livro poderia intitular-se História Universal da Perplexidade e do Deslumbramento. Solha registra pequenas sincronicidades e coincidências na História, na Natureza, na Arte, na Linguagem, fazendo o papel daqueles rastreadores sertanejos que percorrem a caatinga em busca de sinais que indiquem: “foi por aqui que a caça passou”.
A caça que o poeta rastreia é o Sentido, o Significado, aquele instante-centelha fugaz em que vislumbramos uma rima entre o mundo das Idéias e o mundo das Coisas.
Existe uma convenção tácita na poesia lírica de que cabe aos poetas procurar as manifestações da Beleza no mundo. Tradicionalmente essas manifestações eram encontradas na Mulher e na Natureza.
Talvez tenha sido Álvaro de Campos (em nosso idioma) o primeiro a descobri-la (e a defini-la como manifestação legítima de Beleza) nos produtos do engenho humano: as máquinas, as cidades, o fervilhar cosmopolita das multidões.
O catálogo aleatório de pequenas descobertas pessoais feitas por Solha o convencem (e ao leitor) de que existe uma inteligência coletiva na nossa espécie, a que chamamos Cultura, um projeto ou desígnio cujo plano geral é inacessível a nós, indivíduos; um projeto de criação de um sentido universal das coisas, que deixa pistas nos lugares menos prováveis.
A busca poética de Solha é uma busca do intelecto. É curioso como esta palavra sofre, hoje em dia, uma verdadeira Inquisição, numa cultura-de-massas onde queima-se um incenso incessante no altar das Emoções.
A poesia de Solha me reafirma algo que sempre percebi intuitivamente: que o intelecto é nossa verdadeira interface com o mundo, e a emoção um mero resultado de quando fazemos contato com ele. É através da mente que percebemos e compreendemos tudo – e que nos emocionamos, quando descobrimos pegadas deixadas pela Verdade ou pela Beleza.
Trigal com Corvos é o diário-de-bordo de uma jornada mental que nos produz a mais refinada e a menos egoísta das sensações: a de perceber que as belezas do mundo existem independentemente de nós, mas que o mundo, que as produz, não as percebe – e nós, sim.
Impressionante o texto do Bráulio,pois ele descreve com perfeição e com uma aparente facilidade, o que sentimos ao ler os versos do Solha.E isso não é pouca coisa.Parabens aos dois: o poeta e o comentarista.
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