sexta-feira, 27 de março de 2009

0918) Canções de Estrada (24.2.2006)




(Easy Rider)

A Canção de Estrada é diferente da Canção de Migrante, na qual predomina a saudade da terra natal e a descoberta da nova cidade. Já a Canção de Estrada glorifica a estrada em si, o seu simbolismo de liberdade e disponibilidade. 

A estrada nos dá uma sensação juvenil de ser livre e ter toda a vida pela frente, e ao mesmo tempo a promessa de maturidade e experiência (vejam como é revelador este sinônimo: “Fulano tem muita estrada”).

Quem viveu na estrada, como Luiz Gonzaga, sabe registrar sua beleza, como em “Estrada do Canindé” (“Ai ai, que bom que é, uma estrada e uma cabocla, com a gente andando a pé...”) ou sua dureza, como em “Légua Tirana” (“Ô que estrada mais comprida, ô que légua tão tirana...”). 

E que beleza de “flash” da vida rural é o “Menino de Braçanã” de Luiz Vieira, recuperado há alguns anos por Zizi Possi: “Vou-me embora, vou sem medo nessa escuridão / quem anda com Deus não tem medo de assombração / e eu ando com Jesus Cristo no meu coração”.

A geração da Contracultura celebrou a estrada dos motoqueiros, com Dave Dudley (“Seis dias na estrada, mas esta noite eu vou dormir em casa”), com Bruce Springsteen (“A rodovia está atravancada de heróis em pedaços, num canto-do-cisne feito de motores”), Steppenwolf (“Gosto de fumaça e raios, o trovão do metal pesado, apostar corrida com o vento e a sensação que me envolve”). 

Era a viagem kamikaze de uma geração motorizada, que viu na estrada um outro tipo de droga, um outro tipo de vertigem, êxtase e auto-extinção. 

Bob Dylan, que também teve lá seus problemas como moto e asfalto, preferiu celebrar o lado filosófico (“Quantas estradas um homem deve trilhar, até poder ser considerado um homem?”).

Na MPB canta-se mais a estrada de modo abstrato, romântico, como em “Travessia”, “Nada Será Como Antes” ou “Fé Cega, Faca Amolada” do repertório de Milton Nascimento, ou na “Andança” interpretada por Beth Carvalho. 

Como exceção, “Mano a Mano”, ao que eu saiba a única parceria entre Chico Buarque e João Bosco, mostra a estrada dos caminhoneiros (“Eu e meu irmão / era porreta / carreta parelha a carreta / dançando na reta / meu irmão...”), os quais acabam brigando por causa de uma mulher que é descrita com nomes de cidades: “Mas ela era nova / viçosa, matriz / era diamantina / era imperatriz / era só uma menina / de três corações...” 

São numerosas as canções que celebram a estrada do ponto de vista do automóvel (“As curvas da estrada de Santos”, de Roberto, é o exemplo mais típico), mas, curiosamente, o caminhoneiro tem sido tema de poucas canções, se pensarmos na sua importância, até mesmo como circulador de informação musical no Brasil. Temos “O Caminhoneiro” de Roberto Carlos, “Ventania” de Vandré e mais algumas. 

Para um país tão vasto, com tanta circulação de gente e veículos, com tantas correntes migratórias, a Canção de Estrada continua sendo um gênero sub-utilizado na MPB, apesar das belas canções que já inspirou.





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