terça-feira, 24 de março de 2009

0916) Carlinhos Raposeiro (22.2.2006)




(foto de Andre Kertesz)

Era assim que eu o chamava, e não Carlos Alberto Pereira, o nome que vi no obituário do Jornal da Paraíba alguns dias atrás. Ficamos amigos através do poeta Antonio Morais, no tempo em que eu morava num apartamento na Rua João Suassuna. Carlinhos jogava no Campinense, e este período (meados dos anos 1970) foi talvez o tempo em que fui mais fanático pelo Treze; mas nossa amizade (como qualquer amizade decente) ia além das paixões clubísticas. Éramos desses sujeitos esquisitos que gostam mais de futebol, do jogo de futebol, do que do time por que torcem.

Sua carreira coincidiu com o bom momento do futebol paraibano após a construção do Estádio Amigão em 1975, e as primeiras entradas de times de Campina no Campeonato Brasileiro. Carlinhos era um meio-campista que apoiava bem o ataque: esperto, arisco, rápido com a bola nos pés. Não era muito de marcar gols, mas no domingo em que fui embora de Campina para morar em Salvador, em 1977, ele fez um gol no Treze. Felizmente para sua integridade física, não apareceu no meu bota-fora na antiga Rodoviária.

Quando nos conhecemos, ele lembrou, citando Machado de Assis, que me conhecia “de vista e de chapéu”. Fizemos muitas farras juntos depois das sessões do Cinema de Arte no Capitólio, quando saíamos para o Bar do Cearense ou do Benedito, beber conhaque de alcatrão, comer galeto com farofa e discutir filmes de Antonioni ou Bertolucci. Nos fins de semana, íamos, sempre em turmas de carros cheios, para as cantorias no Bar de Zizi, ali no começo da Assis Chateaubriand, ou no Bar Canarinho, na feira. Era, também, um bom momento na poesia popular em Campina Grande, quando os Congressos de Violeiros organizados pelo Museu de Arte e pela ARPN levavam milhares de pessoas para o Ginásio da AABB.

Eu era casado, ele solteiro; cada um invejava (ou fingia invejar) a vida-boa que o outro levava. Carlinhos largou o futebol, entrou para o jornalismo, e me entrevistou mais de uma vez, quando passei a comparecer ao Encontro Para a Nova Consciência. Dividia-se entre o jornal e a boemia. Como diria Machado, a cidade por onde andava tinha poucas ruas e muitos bares.

Não nos víamos há anos, mestre Carlinhos, e algo me avisa que nunca mais nos veremos. Isto não me impede de ficar aqui falando sozinho em público, como aqueles velhos para quem os fantasmas são mais nítidos do que as pessoas de carne e osso. Pois deixe-me dizer que o mundo não mudou nada desde aquele tempo, e não mudará nunca. A “realidade brasileira” que tanto discutíamos nos deixará um gosto amargo na boca, que nenhum álcool lavará por inteiro. As mulheres continuarão a nos parecer uma fonte de água pura. O Cinema e a Literatura ainda serão um banquete-dos-mendigos onde um mulato do Zepa e um branquelo do Alto Branco poderão sentar-se à mesa dos gênios e provar das guloseimas das musas. Quanto ao futebol, lamento não ter boas notícias para dar, mas também, quem manda tu torcer por um time tão ruim?




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