segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

0834) “O Professor e o Demente” (18.11.2005)



O título completo deste excelente livro de Simon Winchester (Ed. Record, 1999) é: O professor e o demente – Uma história de assassinato e loucura durante a elaboração do Dicionário Oxford. É a história de dois homens diferentíssimos e semelhantes. Um deles é o Prof. James Murray, que a partir de 1879 começou a editar o Oxford English Dictionary, talvez o mais extenso dicionário do mundo ocidental (não consigo visualizar, por maior que seja minha imaginação, o que seria um “Grande Dicionário do Idioma Chinês da Universidade de Pequim” ou coisa equivalente). Para editar essa obra gigantesca (doze volumes, 414 mil verbetes ilustrados por 1 milhão e 800 mil citações) ele liderou uma equipe de dezenas de pessoas e centenas de colaboradores do mundo inteiro. Até Tolkien, o autor de O Senhor dos Anéis enviou material para o dicionário.

Um desses colaboradores remotos foi o Dr. W. C. Minor, cirurgião americano que cumpria pena em Broadmoor, um asilo para lunáticos. Culto e de boa família, Minor era sujeito a ataques de paranóia, e durante um deles matou um sujeito que ia passando na rua. Foi internado no asilo, onde passava os dias lendo. A chance de colaborar com o Dicionário Oxford surgiu-lhe como uma bênção, mantendo-o ocupado durante anos, lendo obscuros livros dos séculos 16 e 17 para rastrear o primeiro aparecimento de milhares de palavras da língua.

O livro de Winchester conta a vida dos dois personagens, revela curiosos detalhes sobre o processo de preparação e edição dos dicionários (assunto que por motivos genéticos me interessa sobremaneira), discute a natureza e o tratamento da esquizofrenia... Reportagens deste tipo têm uma vantagem sobre romances: podem mudar de assunto quando lhes interessa, sem a obrigação da “continuidade dramática” ou que nome lhe queiram dar. Desse modo, Winchester num capítulo descreve as miseráveis condições de vida no bairro londrino de Lambeth (onde ocorre o crime de Minor), dá uma geral na história dos dicionários ingleses, relata alguns episódios arrepiantes da Guerra da Secessão norte-americana (em que Minor, ao que parece, ficou traumatizado e se desequilibrou mentalmente), discute questões obscuras do idioma...

Winchester aborda alguns acontecimentos que têm versões fantasiosas (como o primeiro encontro entre Murray e Minor) e restaura a possível verdade dos fatos; e mesmo quando pisa naquele perigoso terreno dos historiadores, o de imaginar o que Fulano de Tal estaria pensando num dia remoto, cem anos atrás, ele nunca perde a perspectiva: conjetura em voz alta diante do leitor, sempre deixando claro que se trata de conjeturas a partir de indícios históricos. Hoje em dia, vê-se muito alguém conceber um romance seguindo as regras da reportagem, ou escrever uma reportagem seguindo as regras da ficção. É um café-com-leite onde ambos os gostos estão presentes, mas não se pode separar um do outro.

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