segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

0833) Cientistas distraídos (17.11.2005)


(Isaac Newton)

Li uma história em que um sujeito místico furou os próprios olhos e os próprios tímpanos porque a visão e a audição estavam atrapalhando seu contato com Deus. Ao que parece, ele achava que Deus estava apenas dentro da mente dele, e não no resto do mundo – o que me soa, no mínimo, como uma tremenda contradição. A meu ver, o indivíduo que faz isto está admitindo que sua fé é pouca e sua convicção é fraca, e que a luz do sol ou o barulho do trânsito não fazem parte da presença divina. Pois ele que faça bom proveito.

Com uma coisa, no entanto, eu concordo: os cinco sentidos são um contratempo, quando estamos tentando nos concentrar em idéias abstratas. Vem daí a proverbial distração dos cientistas. Dizem que Isaac Newton estava há vários dias resolvendo algum problema matemático complicado, sem comer direito. A empregada interveio: “Não, Seu Isaque, agora chega, o senhor agora vai ter que comer alguma coisa. Tá aqui um ovo, tá aqui a chaleira fervendo, tá aqui o relógio. Conte 5 minutos de fervura e coma o ovo” Ela foi na bodega, e quando voltou viu Newton sentado à mesa, segurando o ovo e olhando para ele, enquanto o relógio fervia calmamente na chaleira.

Para mim, isto não é sinônimo de abestalhamento. É sinônimo de alta inteligência, de uma mente superior, de uma capacidade de concentração que deveria envergonhar todos nós a quem tal coisa jamais aconteceria. Raciocínio abstrato é como um castelo de cartas. Tudo depende do encadeamento sucessivo de idéias, e qualquer interrupção desaba a construção inteira, forçando-nos a recomeçar do zero.

Muitos cientistas pensam por analogias visuais, como se criassem mentalmente uma “árvore genealógica” em que idéias se ramificam, se associam, se interligam. Einstein dizia que pensava por “intuições visuais e musculares”, e que depois tentava comprovar matematicamente as hipóteses geradas desta forma. E é claro que essa necessidade de concentração não cabe apenas aos cientistas, mas a qualquer pessoa que se dedique à criação abstrata e solitária: poetas, filósofos, matemáticos. Criação solitária requer silêncio, isolamento, concentração.

Por outro lado, pessoas criativas que trabalham em grupo (executivos, cineastas, engenheiros, regentes de orquestra, etc.) funcionam muitíssimo bem num ambiente cheio de gente falando em voz alta, porque aí trata-se de reunir e harmonizar o que se passa na cabeça de várias pessoas. Criação coletiva requer agrupamento, intensa troca de idéias, reavaliação constante do que está sendo feito, para permitir “correções de rumo” e ter certeza de que todo mundo está pensando a mesma coisa. Pode-se pensar criativamente em silêncio, e pode-se pensar criativamente em voz alta num lugar público. O místico citado no começo parece ter sido apenas um sujeito de temperamento extrovertido que julgava erradamente ter a obrigação de só poder pensar em Deus “para dentro”. O Deus dele devia estar lá fora.

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