Vi na TV Segredos do Pentágono, a história de Daniel Ellsberg, o sujeito que abalou a administração Nixon, revelando segredos militares do Pentágono. Em 1970, os EUA estavam mergulhados na guerra do Vietnam, uma situação em alguns aspectos muito parecida com a de hoje no Iraque, só que aquela América era menos obscurantista do que a de hoje. Havia uma resistência muito forte à guerra, mas ao mesmo tempo havia aquele espírito patriótico, bem norte-americano, de que “nosso país está em guerra e devemos todos nos unir em torno do Governo, nos apoiar mutuamente”, etc.
Ellsberg trabalhava na Rand Corporation, uma espécie de instituto de futurologia e estratégia: analistas altamente treinados que examinam para o Governo alternativas de ação política, econômica, militar, etc. Ele percebeu que todo mundo sabia, desde o início, que era impossível ganhar a Guerra do Vietnam. As pesquisas encomendadas pelo Pentágono tinham revelações arrepiantes sobre o uso da guerra como instrumento para ganhar eleições. Ellsberg pressionou políticos, mas ninguém teve coragem de bater de frente com o Presidente Nixon, que era uma espécie de George W. Bush mais antipático e mais inescrupuloso.
Ellsberg passou meses xerocando em segredo 7 mil páginas de relatórios, e as repassou para os principais jornais americanos. Foi descoberto e preso, mas o governo enredou-se cada vez mais em problemas, porque na mesma época estourou o escândalo de Watergate, em que ficou comprovado que o Governo invadia de forma stalinista a privacidade de entidades e indivíduos. Ellsberg foi solto, e Nixon renunciou para não sofrer “impeachment”.
Guardo desta época uma imagem inesquecível, um cartum que saiu no jornal “Opinião”: Ellsberg de pé junto a uma pia, com uma caixa de sabão em pó, lavando a bandeira dos EUA. (Creio que esta imagem estava em meu subconsciente quando, no Carnaval de 1993, fiz com Lenine, para o bloco Suvaco do Cristo, um samba falando do impeachment de Fernando Collor, “Bundalelê”, que dizia: “Valeu lavar o verde e o amarelo; valeu atravessar 92”)
O interessante em tudo isto é o drama de Ellsberg. Ele considerava aquela uma guerra imoral, que não levava em conta as mortes de soldados americanos ou de civis vietnamitas; ele acusou o cinismo e a indiferença dos políticos para com a opinião pública, preocupando-se apenas em serem reeleitos. E ao mesmo tempo, ele hesitou durante anos. Por que? Acho que os americanos têm uma espantosa fé na lei, na legalidade, nos procedimentos juridicamente corretos. Aqui no Brasil, quando Fernando Collor extrapolou todos os limites da corrupção (que já eram largos, amplos, perdiam-se no horizonte), ninguém quis saber da Lei. Juntaram-se contra ele a Direita, a Esquerda, a Imprensa, o Congresso e o Judiciário. Cumpriram um mínimo de formalidades legais, e enxotaram o intruso. Restabeleceu-se o parâmetro anterior. Mas não sei o que Ellsberg pensaria de seus seguidores tupiniquins.
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