sábado, 13 de dezembro de 2008

0664) Engole-Trave e Seu Alegria (5.5.2005)




(The Vanishing Hitchhiker, de J. H. Brunvand)

Engole Trave era um velho que percorria as ruas de Campina, sempre vestindo um terno puído mas escrupulosamente limpo. Era feioso a ponto de parecer uma caricatura: magro, costas encurvadas, nariz e queixo proeminentes. A toda hora eu o via cruzando a Praça da Bandeira, virando a esquina na Maciel Pinheiro, parado na calçada da Marquês do Herval. Para mim era apenas um daqueles velhos anônimos e familiares que a gente vê o tempo inteiro na cidade; até que alguém me contou a verdadeira história dele. Anos atrás, Engole Trave tinha sofrido um acidente qualquer, quebrou uma costela ou braço, e durante a hospitalização teve que fazer uma série de exames. Surpresa geral: descobriram que o velho tinha esqueleto de marfim! Especialistas estrangeiros vieram, examinaram-no, e por fim ofereceram-lhe uma boa grana pelo esqueleto, o qual seria doado a um Instituto europeu após sua morte. E era disso que ele vivia: de um pagamento mensal, em adiantamento pelos próprios ossos.

Eu achava ótima essa história e tinha uma certa inveja do personagem (já pensou? ganhar dinheiro sem trabalhar!), e para ser sincero só comecei a desconfiar quando alguém de imaginação mais barroca me jurou de pés juntos que o fato de ter esqueleto de marfim o deixava imune a choques elétricos, e que ele fazia disto uma fonte de renda suplementar: pegar em fios de alta tensão ou em cabos ligados a geradores, enquanto os caras faziam apostas. Mas a esta altura eu já tinha lido Garcia Márquez e Ray Bradbury, e é engraçado, quanto mais fantasia a gente lê mais fica com olho crítico em cima da realidade.

Seu Alegria (que nunca vi pessoalmente, não me lembro de sua aparência) era outra figura folclórica adorada pelas crianças. Diz-se que ele fazia mágicas o tempo inteiro, e não estou me referindo a truques de mágica de salão, mas a mágicas de verdade, transmutações de matéria comandadas pelo simples esforço de vontade, o sonho dourado dos ocultistas e alquimistas de todos os tempos, e cuja concretização coube, vejam só, a um pacato e despretensioso velhinho de Campina Grande! Seu Alegria andava pela rua acompanhado por um coro de meninos “pedindo mágica”. Ele parava junto a uma daquelas arvorezinhas plantadas num canteiro quadrado na calçada, pegava no tronco e o agitava: choviam moedas e confeitos no chão, e a garotada fazia a festa.

Outra história que se conta de Seu Alegria é que certa vez ele estava jogando baralho no Rambol (uma antiga casa de jogo, na esquina da Maciel Pinheiro) e precisava de uma carta para bater – digamos que era o valete de copas. Jogou até o fim e não bateu. Ficou danado da vida; enquanto os outros recolhiam as fichas e o dinheiro, ele pegou o baralho, juntou-o todo na mão e começou a traçá-lo repetidas vezes. Levantou-se, jogou o baralho na mesa e foi embora. Os outros pegaram o baralho, abriram, olharam: tinha virado 52 valetes de copas.





4 comentários:

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  2. Essa história de seu Alegria, o dinheiro e as árvores meu pai tambem presenciou aqui em Esperança. No meu blog conto essa história, mas queria que você falasse de Pedro Pichaco, de quem escrevi um livro. Rômulo Araújo e Chico Maria conhecem bem, e até José Nêumanne Pinto já citou em dois livros. Aguardo seu contato: hau.ferreira@gmail.com

    Rau Ferreira
    Blog História Esperancense
    http://historiaesperancense.blogspot.com

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  3. Seu alegria tinha um circo e,até arrumado com conjunto musical e rumbeira da melhor qualidade. O palhaço era o BIRIBA. casado com a trapezista. Eu muleke na alexandrino cavalcante e o circo armou ao lado do cine azteca. Eu até que queria pagar ingresso mas a adrenalina de Colar por baixo do pano ,falava mais auto😂outrossin ENGOLE TRAVE era irmão de Dona Marieta Piáu que tinha um atelier de costura no largo onde depois foi construida a Rodoviaria Cristhiano Lauritzen.

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    1. A h quanto ao esqueleto de marfim era FAKE NEWS da época😂

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