terça-feira, 11 de março de 2008

0229) Um cheirinho de vez em quando (14.12.2003)

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Dias atrás eu estava no meio de um grupo, num ambiente de trabalho. Chegou um motorista que veio buscar uma encomenda, e ficou falando com um e outro, andando por entre as mesas. Havia um maço de cigarros por ali; ele pegou, olhou, levou ao nariz e pôs o maço de volta na mesa. O dono do maço disse: “Pega um, velho.” E ele: “Não, obrigado, eu deixei de fumar.” O outro: “Há quanto tempo?” E ele: “Dezesseis anos. Mas sabe como é que é... de vez em quando eu pego, só pra dar um cheirinho.”

Gostei desta idéia. Nenhum viciado é igual ao outro: o vício é sempre uma soma única entre a droga e a pessoa que a usa. Alguns garantem que para abandonar um vício é preciso queimar todas as pontes e apostar todas as fichas numa decisão sem retorno. Outros aconselham o método Martinho da Vila, ou seja, “devagar, devagarinho”: deixa de beber cachaça, depois deixa o uísque, fica só na cerveja, depois vai reduzindo aos poucos... 

Enfim: cada caso é um caso, como em tudo na vida. Não há fórmulas, ou melhor, há milhões de fórmulas, e é mais fácil inventar uma do que tentar examinar e testar todas as que foram inventadas pelos outros.

O exemplo do motorista não deixou de me lembrar também o de certos casais que já vi. São casais que se gostam mas têm diferenças intransponíveis, e vivem em briga constante. Separam-se, e quando separados descobrem que não conseguem viver longe um do outro. Voltam a ficar juntos; mas, inevitavelmente, voltam a brigar. Qual é a solução? Muito simples: separam... mas de vez em quando um dos dois vai lá, só pra dar um cheirinho.

Os adeptos das soluções radicais me lembram o casal do filme de Truffaut, A mulher do lado. Dois antigos apaixonados, hoje casados com outras pessoas, se reencontram anos depois, e a paixão volta com força total. O final é trágico, e ainda lembro a frase final do personagem de Gérard Depardieu: “Ni avec toi, ni sans toi”. Ou seja: “Não consigo viver com você, nem sem você”. Uma bela tragédia no molde clássico do século 19: tragédias onde não é o Destino que impele as pessoas à destruição, mas o fato de que elas vivem um conflito entre sentimentos opostos, e em vez de diluir ou dissipar estes sentimentos preferem exacerbá-los até serem destruídas por eles. Ou seja, Romantismo literário em estado puro.

Vejo isso diariamente com esse pessoal que fuma. Encontro Fulano no bar, de olhos encovados, mãos trêmulas. Qual é o problema? “Parei de fumar,” explica ele, “estava fumando 3 maços por dia, e tem 5 dias que não fumo.” Vendo o estado lastimável do amigo, pergunto: “Bom, se eram 3 maços, não custa nada você reduzir pra, digamos, 10 cigarros por dia. É lucro!” Mas não. Dizem eles que é a armadilha química, e eu acredito. Não depende da nossa vontade; mas se dependesse era tão bom! Era só cortar o excesso que faz mal, e, se a saudade apertasse, ir dar um cheirinho de vez em quando.


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